Tome um diretor ocidental, com absolutamente nenhuma conexão pessoal com a fascinante e intrincada cultura japonesa. Risco. Adicione a produção tarimbada de ninguém menos que Steven Spielberg, que por muito pouco também não assumiu a direção. Melhorou. Entre com um elenco de consagradas atrizes chinesas, não japonesas, para protagonizar a história adaptada a partir do best-seller escrito por Arthur Golden em 1997. Risco novamente? Sim, mas em nenhum momento esta ameaça é concretizada. Além do mais, trata-se de uma produção americana sobre uma realidade estrangeira. Logo, os diálogos que interessam são em inglês, não japonês. E o melhor de tudo é constatar que isso não é, de forma alguma, um empecilho ao excelente resultado do filme.
No Japão da década de 30 a garotinha Chiyo (Suzuka Ohgo, na adolescência Zhang Ziyi) é vendida por seus pais, indo parar num dos inúmeros bairros usados como reduto dos aristocratas e homens de negócios que desfrutam da vida noturna nas casas de chá, em companhia das mais fascinantes gueixas. A menina cresce no ambiente de um oki-ya (uma casa de gueixas), subjugada por sua nova "mãe" (Kaori Momoi) e sob constante influência da antipatia de Hatsumomo (Gong Li), uma das mais populares e belas gueixas da região. Um encontro com um rico empresário (Ken Watanabe) acende nela o desejo de se tornar uma gueixa e, assim, ter a chance de futuramente reencontrá-lo. Auxiliada por uma paciente instrutora (Michelle Yeoh), Chiyo precisa aprender a conviver com os perigos, as intrigas e as desilusões de um meio onde a felicidade parece ser um sonho cada vez mais inatingível.
O que há de mais espetacular neste filme é, sem sombra de dúvida, o design de produção que recriou uma antiga Kyoto que hoje não mais é possível ser encontrada, imprimiu um aspecto quase onírico a muitas das seqüências envolvendo o mundo fechado das gueixas e, assim, presenteou a narrativa em off da personagem central com uma atmosfera que beira a perfeição. O universo que o filme se propõe a mostrar já é, por si só, misterioso o suficiente para garantir o interesse, mas a trajetória da garotinha que queria se tornar uma gueixa para encontrar o amor extrapola essa idéia com classe. Sempre envolta em contradições típicas das heroínas de romances (gueixas podem ou não podem amar?) e marcada por passagens bastante tensas, como a esplêndida seqüência da dança de Chiyo diante tanto da maior inimiga quanto do amor de sua vida.
A veracidade da retratação do mundo das gueixas não vem ao caso, já que mesmo no próprio Japão isso é um assunto bastante nebuloso para a sociedade em geral. As culturas estrangeiras vão ainda mais longe, associando-as sem pestanejar com a imagem de prostitutas de luxo. O filme de Rob Marshall meio que confirma essa informação para a época em que se passa a história, mas ao mesmo tempo evita ir mais fundo em seus desdobramentos. Parece ser evidente, no entanto, que uma fidelidade mínima à cultura fechada das gueixas foi mantida. Nos dias de hoje é praticamente reconhecido que só se torna gueixa a adolescente que realmente almeja esse objetivo, tornando-se uma profissional de entretenimento, não prostituta, e levando uma vida mais independente que a das mulheres normais, mas definitivamente relegada à margem do convívio social.
Zhang Ziyi encarna o papel-título com bastante competência, mas eu tenho que admitir que minha atenção só esteve centrada em uma atriz, pelo menos durante todo o tempo em que ela permaneceu em cena: Gong Li. Continua belíssima, característica que é ainda mais acentuada pelo quê de tragédia que marca a índole de sua personagem, uma gueixa experiente que reconhece instantaneamente uma rival à altura somente ao vislumbrá-la, mesmo sendo ela apenas uma criança. Na primeira metade do filme é Gong Li quem fica no caminho da felicidade de Chiyo. Na segunda, o próprio meio em que ela passa a viver assume o papel de seu inimigo. Durante todo o tempo de filme o espetáculo é de uma beleza deveras hipnotizante, marcado por um desfecho no mínimo condizente com a realidade em que o longa se insere.
Texto postado por Kollision em 17/Fevereiro/2006