Cinema

Munique

Munique
Título original: Munich
Ano: 2005
País: Estados Unidos
Duração: 164 min.
Gênero: Drama
Diretor: Steven Spielberg (Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal, As Aventuras de Tintim)
Trilha Sonora: John Williams (Cavalo de Guerra, Lincoln, A Menina que Roubava Livros)
Elenco: Eric Bana, Daniel Craig, Ciarán Hinds, Mathieu Kassovitz, Hanns Zischler, Geoffrey Rush, Ayelet Zorer, Michael Lonsdale, Mathieu Amalric, Lynn Cohen, Gila Almagor, Moritz Bleibtreu, Valeria Bruni Tedeschi, Meret Becker, Ami Weinberg, Amos Lavi, Moshe Ivgy
Avaliação: 7

Por mais que a visão de Steven Spielberg para o atentado terrorista da Olimpíada de Munique, em 1972, seja dissonante dos eventos reais nos quais a história deste filme alega ter sido baseada, uma coisa deve ficar clara: este é, de longe, o filme mais obscuro e pesado de sua carreira. Não digo isso pela violência, que não chega a ser tão abundante quanto em O Resgate do Soldado Ryan (1998), mas sim pelo tema em si, que emerge entre sangue e cinzas a partir de um complicado mosaico ideológico que marca a convivência de povos que insistem em manter o pé fincado em rixas medievais que ainda assombram o mundo em pleno século XXI.

Após avaliar algumas versões para a adaptação da obra de George Jonas, intitulada Vengeance e publicada em 1984, Spielberg abraçou definitivamente o projeto e, em vários momentos desde que anunciou que o dirigiria, deixou claro que a mensagem de seu filme seria uma espécie de apologia à paz, nos seus termos e naqueles descritos com detalhes no livro de Jonas, hoje abertamente contestado. Principalmente com o lançamento de outra obra literária recente sobre o mesmo tema, de Aaron Klein, autor que não tem dado trégua em suas críticas a Spielberg e à sua decisão de levar às telas uma obra que ele e muitos outros consideram de procedência duvidosa. De um lado, fontes atestam que Jonas contou com a parceria do próprio agente que foi o líder do mais bem-sucedido grupo secreto israelense, interpretado por Eric Bana no filme e personagem principal do retrato concebido por Spielberg, para compor seu livro e fornecer uma descrição minuciosa das atividades do grupo do ex-agente do Mossad, a inteligência secreta israelense. A verdade é que não dá para se ter certeza de nada, se Jonas estava de fato errado ou se Klein não passa de um oportunista. Para se ter uma idéia, até o nome do finado Yasser Arafat aparece em algumas fontes como o mentor do atentado! Tudo o que resta, ao menos aos olhos de um cineasta com o gabarito de Spielberg e à platéia que lota os cinemas ao redor do mundo, é uma história a ser contada e, talvez, uma posição humana em relação ao conflito.

A história de Munique é o relato das atividades de uma equipe ultra-secreta de agentes convocados pelo Mossad para dar uma resposta à altura ao grupo terrorista responsável pelo brutal assassinato de 11 membros da equipe olímpica de Israel em 5 de setembro de 1972, durante a realização dos Jogos Olímpicos na Alemanha Ocidental. Liderando o grupo está o agente Avner (Eric Bana), que não hesita em nenhum momento em abdicar de sua família e de sua própria existência para defender o povo judeu contra a ameaça terrorista dos árabes palestinos, tomando para si a missão de assassinar todos os envolvidos na realização do atentado terrorista de Munique. Contando com mais outros quatro agentes (entre eles Daniel Craig e o francês Matthieu Kassovitz, que coincidentemente se parece muito com Bana), Avner leva a cabo o plano de vingança de seus superiores com o mais puro ardor patriota, enveredando por um caminho que pode não ser tão recompensador após se atingir o fim do túnel.

Para se entender completamente a motivação política de Israel para sua controversa retaliação ao terrorismo, é necessário um mínimo conhecimento prévio acerca da situação histórica do Oriente Médio, um constante caldeirão de conflitos que ainda hoje não se estabilizou, somente deixou de ser o centro das atenções devido ao pandemônio em que se tornou o Iraque. Com o poderoso e reconhecido olhar cinematográfico de Spielberg, a jornada de Avner e seu time em busca de uma justiça que, por qualquer lado que se olhe, rapidamente transcende à idéia da mais pura vingança, ganha um vulto digno do mais sólido respeito cinematográfico em qualquer um dos departamentos técnicos envolvidos. A reconstituição do atentado, que segue paralelamente à narrativa principal e se insere de forma um tanto gratuita como parte dos pesadelos do personagem de Eric Bana, é de uma fidelidade impressionante aos fatos descritos por todas as fontes históricas existentes sobre o incidente. O tom quase documental desta parte é propositalmente confuso, não sendo numa primeira sessão que será possível se ter uma idéia completa do quão incompetente foi a ação da polícia alemã, ou de como os terroristas ludibriaram os negociadores para chegar até onde chegaram. Obviamente, a veracidade na retratação do atentado não se estende ao resto da narrativa, cujo gás inicial vai sendo minado aos poucos pela consciência crescente de Avner e pelos inevitáveis percalços vindouros.

Algumas pessoas têm dito que, em Munique, dá para sentir no ar um quê de apoio ideológico às atividades de combate ao terrorismo contra Israel, implementadas pelo Mossad com ausência de hesitação ou, por incrível que pareça, com quase nenhuma conotação religiosa. Até que ponto o cinema (e o roteiro de um filme) deve se embeber em realidade para transferir em imagens a motivação de um homem, um grupo ou um povo? Se não há um posicionamento claro, dizem que o trabalho carece de ousadia. Por outro lado, a apologia exacerbada a um determinado lado irrompe em comentários furiosos sobre unilateralidade, maniqueísmo, superficialidade. Para qualquer lado que se corra, o trabalho sempre será alvo dos mais variados tipos de controvérsia.

Mas é óbvio que Spielberg sempre foi um diretor que jamais enveredaria envidaria esforços por algo em que não acredita, e é exatamente nisso que está a força de seu filme. Munique é um trabalho amargo e forte, que no entanto não chega a ser perfeito. A inclusão de uma bela agente inimiga que ameaça a equipe de Avner, por exemplo, soa injustificada e desnecessária. Alguns dilemas adquirem um tom humanamente desconcertante, como o fato de Avner receber com orgulho a saudação judaica "Mazel tov" pelo nascimento do filho, para logo depois ouvir outro "Mazel tov" proferido em ovação ao sucesso de seu plano, que acabara de tirar a vida de outro ser humano.

Onde está o sentido disso tudo? Esta parece ser a pergunta que o filme quer fazer.

Texto postado por Kollision em 31/Janeiro/2006