Esta é, provavelmente, uma das melhores estréias de um diretor em toda a história do cinema. Obviamente, não estamos falando de alguém recém-saído da faculdade ou de algum desavisado com uma idéia na cabeça e uma câmera na mão, mas sim do roteirista responsável por sucessos como Um Lugar Chamado Notting Hill (Roger Michell, 1999) e O Diário de Bridget Jones (Sharon Maguire, 2001). O ensaio e a experiência com comédias românticas de vários diretores permitiu que Richard Curtis concretizasse um ambicioso projeto envolvendo não apenas uma história encantadora, mas várias. Um filme excepcional em sua sutileza, em seus exageros, em sua trilha sonora, em cada retrato dramático ou cômico das vidas de tanta gente diferente.
Não existe personagem principal em Simplesmente Amor. Toda a história se passa durante as quatro semanas que antecedem o Natal, acompanhando as agruras de amor de várias pessoas em Londres. Há o escritor (Colin Firth) chifrado pela namorada e que se vê envolvido com a empregada portuguesa (Lúcia Moniz). O primeiro-ministro britânico (Hugh Grant) que não consegue evitar sua queda pela simpática e voluptuosa copeira (Martine McCutcheon). O publicitário (Alan Rickman) que se vê atraído pela secretária (a alemã Heike Makatsch) e ameaça colocar a esposa (Emma Thompson) numa situação insustentável no casamento. O cantor fracassado (Bill Nighy) que descobre ter muito mais em comum com seu gordo empresário (Gregor Fisher) do que imagina. Um homem que acabou de perder a esposa (Liam Neeson) e tem que lidar com a tristeza do filho herdado dessa união (Thomas Sangster). A secretária (Laura Linney) secretamente apaixonada pelo colega de trabalho (o brasileiro Rodrigo Santoro). O rapaz (Andrew Lincoln) secretamente apaixonado pela jovem (Keira Knightley) esposa do seu melhor amigo (Chiwetel Ejiofor). O inocente casal de atores de filmes pornográficos (Martin Freeman e Joanna Page) que hesita em trocar um simples beijo. O desajeitado inglês (Kris Marshall) que sonha em ir para os Estados Unidos para ganhar todas as garotas. Ufa... Será que conseguir listar tudo?
Se a comédia romântica convencional geralmente leva uma hora e meia para ser contada, na maioria das vezes com uma grande quantidade de gordura em seu meio, por que não pegar várias idéias e misturá-las? Pode parecer sandice, mas a sensação causada pelo filme é exatamente o oposto. São histórias de amor, paixão e desilusão que se entrelaçam sem que o espectador precise fazer força alguma, o que é notável. Com um elenco soberbo e um tino excepcional para capturar as sutilezas do relacionamento humano, o diretor Richard Curtis comanda simplesmente uma das melhores comédias românticas que já assisti na vida. A qualidade da história vai além das gargalhadas, que são muitas, entrando no âmago de relacionamentos tão díspares e diferentes que é quase impossível não se identificar com algum dos personagens.
O filme é tão bom que é até mesmo difícil escolher uma história favorita. O tom dos relacionamentos é sempre harmonioso, mas alguns deles não têm, de fato, um final feliz. Mas estes são poucos. E, mesmo assim, foi dado um jeitinho para que a desilusão não seja tão esmagadora assim. A cena dos cartazes ao som de uma canção de Natal é um exemplo encantador do que acabo de escrever. O diretor/roteirista tomou bastante cuidado em não deixar nada com uma conotação piegas, e pode-se até mesmo dizer que as cenas de nudez e a linguagem chula, usada de maneira hilária pelo roqueiro decadente de Bill Nighy, colocam o filme num patamar um pouco distinto de comédia romântica. A ode ao otimismo extremo, na figura do rapaz em busca de aventuras na região mais caipira dos EUA, é propositalmente exagerada, mas tem a compensação de colocar na tela beldades como Elisha Cuthbert, Denise Richards e Shannon Elizabeth, todas em aparições relâmpago. Há também mais gente boa em rápidas participações, é preciso ficar atento.
Começando e terminando num mesmo cenário, que ajuda a fechar um ciclo na vida dos personagens e tenta passar a idéia de que o amor está realmente em todos os lugares, o filme de Richard Curtis é um deleite de mais de duas horas de duração em que ninguém vê o tempo passar, que conta ainda com uma seleção musical de extremo bom gosto e trilha sonora inspiradíssima de Craig Armstrong. Um espetáculo de nível raramente atingido por outras obras do gênero. Quem não se emocionar com o filme está extremamente doente, com muito sono ou está morto.
A seção de extras do DVD tem nada menos que 37 minutos de cenas cortadas precedidas por comentários do diretor, com um material excelente que infelizmente teve que ser descartado na versão final do filme. Há também um rápido making-of de 10 minutos que se concentra sobre as diversas historietas retratadas pelo roteiro, o vídeo-clipe de Bill Nighy e sua performance em Christmas Is All Around, declarações rápidas de Richard Curtis para cinco das músicas escolhidas para cenas chaves do filme, o trailer de Thunderbirds e um anúncio sobre uma instituição beneficiente.
Texto postado por Kollision em 2/Outubro/2005