Algumas pessoas não sabem, mas a carreira do diretor Alfred Hitchcock é tão extensa que até filmes mudos ele fez, isso durante a década de 20, um pouco antes do cinema falado dar seus primeiros e titubeantes passos. Dentro de sua filmografia, O Pensionista ocupa uma posição de destaque por ter sido seu primeiro suspense. Mesmo sendo mudo, o filme traz muitas das características que se tornariam com o tempo uma espécie de marca registrada do diretor, com uma concepção que já denotava certa complexidade e até mesmo uma bem-vinda ousadia na utilização de efeitos especiais.
O filme é baseado num livro homônimo que, dizem, foi o primeiro a discorrer sobre uma solução para o mistério de Jack, o Estripador. O assassino é nada menos que o personagem motor da história, que se inicia com uma contagem de vítimas que já passa de quinze corpos, todos jovens e belas moças loiras. Certa noite, um estranho hóspede chamado John (Ivor Novello), cuja aparência lembra muito a da descrição de algumas vítimas que sobreviveram ao ataque do estripador, chega ao hotel da família Bounting e se instala num quarto. O policial e amigo da família Joe (Malcolm Keen) também freqüenta a casa, pois tem um relacionamento com Daisy (June Tripp), a filha de cabelos dourados do casal dono da pensão. À medida que os ataques e as mortes aumentam, o hóspede misterioso passa a despertar as suspeitas de todos, ao mesmo tempo lentamente conquistando o coração de Daisy.
O ponto mais forte deste primeiro suspense do mestre do gênero é com certeza a caracterização do forasteiro, que além de ser visualmente muito bem-feita, tem um quê de caligaresco que entrega uma agradável influência expressionista. Passagens marcadas pelo estilo, apesar de poucas, aparecem aqui e ali, geralmente em sombras de janelas e na composição de quartos escuros. Embora a história seja fluida e consiga despertar interesse, algumas decisões do roteiro fazem com que a surpresa final seja fácil de ser antecipada, além de ferir a narrativa em alguns pontos (o flashback revelador do policial um pouco antes do clímax tem cenas que ele não chegou a presenciar). Estranho também que o final estenda-se demais, sendo realmente uma amostra clara de que nem sempre todo o material filmado merece ir para o corte final (há informações de que isso foi imposição clara do estúdio, e não o desejo do diretor). Falando em corte final, vários problemas de edição saltam aos olhos, mas estes são amenizados pela atmosfera quase onírica que praticamente todas as produções de mistério mudas da década de 20 possuem. Um pouco mais danoso no início da película são alguns nítidos problemas de exposição deficiente do filme, mais perceptíveis durante as seqüências filmadas em ambientes escuros ou à noite.
Uma coisa a se ter em mente quando uma cópia de um filme tão antigo cai em nossas mãos é nunca acreditar que o que está se vendo é realmente a sua versão original. Estes filmes passaram por tantas atribulações durante sua vida que, muitas vezes, o que nos resta são somente cópias de qualidade duvidosa. O Pensionista pode muito bem pertencer a esta categoria, mas mesmo com uma cópia de qualidade duvidosa ainda é fácil perceber que seu conteúdo já atestava o dom que Hitchcock viria a refinar com muita competência alguns anos mais tarde.
A seção de extras do disco é a mesma de todos os outros DVDs da coleção que traz ainda O Ringue e Chantagem e Confissão: uma biografia de Alfred Hitchcock, uma galeria de fotos do diretor, outra galeria de pôsteres dos seus filmes e o trailer da edição em DVD da série Bonanza.
Texto postado por Kollision em 7/Junho/2005