Quando Charles Chaplin filmou Um Rei em Nova York, sua carreira e sua vida pessoal haviam atingido um ponto ao mesmo tempo calmo e amargo. Vivendo na França com a jovem esposa e os filhos, após um exílio forçado do país que o acolheu e lhe deu fama, Chaplin se viu obrigado a utilizar um estúdio estranho e uma equipe estranha, subitamente tolhido por limitações que não existiam nos bons tempos em que ele comandava o próprio estúdio e podia, por exemplo, repetir as cenas de seus filmes quantas vezes quisesse até que sua índole perfeccionista se desse por satisfeita.
Desta forma, Um Rei em Nova York assume um papel decisivo dentro da filmografia de Chaplin. Espécie de catarse artística e sátira incisiva contra os EUA, que o perseguiu impiedosamente pela sua recusa em naturalizar-se norte-americano e pelos supostos envolvimentos do cineasta com o movimento comunista, o filme é carregado de alfinetadas políticas, sociais e culturais ora sutis, ora escancaradamente provocativas. Filmado completamente na Inglaterra e proibido nos EUA durante mais de 10 anos, Um Rei em Nova York não chega nem perto dos melhores filmes de Charles Chaplin, mas tem alguns bons momentos e consiste num registro interessante do que um autor genial, crítico e perseguido é capaz de fazer para exorcizar os próprios fantasmas.
Chaplin é o rei Igor Shadov, que se vê subitamente obrigado a fugir de seu país para escapar de uma revolução popular. Acompanhado pelo seu ministro Jaume (Oliver Johnston) em Nova York, seus planos incluem obter ajuda dos empresários americanos em seu projeto de uso pacífico da tecnologia atômica. A situação começa a dar errado quando o rei e seu criado são roubados por um próprio membro da côrte, que dá um sumiço em todas as riquezas trazidas para os EUA e deixa-os hospedados no hotel Ritz sem um tostão furado. Perseguindo os planos de obter ajuda em seu projeto atômico, o rei Shadov se aproveita de sua popularidade real e decide fazer aparições televisivas arquitetadas pela bela Ann Kay (Dawn Addams) em troca dos cachês que mantêm seu nível de vida e suas extravagâncias.
Submetido às mais diferentes situações, o rei e seu fiel companheiro vão de shows de rock e salas de cinema a clínicas de cirurgia plástica e escolas especiais lotadas de moleques impertinentes. É nesta escola que o rei conhece o precoce Rupert (Michael Chaplin), geniozinho que não tem papas na língua e vem a ser perseguido pela inteligência americana por ser filho de supostos comunistas. Rupert é o meio que Chaplin usa para desferir as críticas mais contundentes contra o sistema que perseguiu-o no passado, forçando seu exílio. Não deixa de ser irônico o fato dele estar fazendo isso através do próprio filho, talvez imprimindo no relacionamento entre os dois muito de sua própria vida particular. Esta relação encontra ecos em O Garoto, de 1921, seu primeiro longa-metragem. No entanto, sob o ponto de vista comédico, Um Rei em Nova York deixa a desejar. Filmado no tempo recorde (para os padrões de Chaplin) de 12 semanas, ele não traz as inesquecíveis pantomimas de outrora, nem o bigodinho e chapéu característicos. O final soa abrupto e forçado, mas algumas cenas se sobressaem, como o ataque de riso do rei durante uma apresentação cômica após a operação plástica. Ou a visita do rei e de seu escudeiro a um teatro lotado de garotas alucinadas pela nova onda do rock'n'roll.
Um Rei em Nova York foi a penúltima obra de Chaplin. A última seria A Condessa de Hong Kong, de 1967. Apesar de ter em seu elenco os astros Sophia Loren e Marlon Brando, este último esforço do cineasta foi um retumbante fracasso e traz Chaplin em uma ligeira ponta apenas, sendo muitas vezes desconsiderado em qualquer compêndio sobre a obra e a arte do eterno Carlitos.
Os extras do DVD incluem a já tradicional introdução do biógrafo David Robinson, além de um documentário de 26 min. com a participação de Jim Jarmusch e entrevistas atuais de Michael Chaplin. Há ainda uma cena rápida do ensaio da orquestra que toca a trilha do filme, conduzida pessoalmente pelo próprio Charles Chaplin, três trailers, galerias de fotos, pôsteres e 14 cenas cortadas para o relançamento do filme.
Texto postado por Kollision em 17/Novembro/2004