Revisto em DVD em 15-ABR-2011, Sexta-feira
Com raríssimas exceções, sonhos nunca são delineados como a realidade, nunca te deixam perceber a totalidade dos detalhes ou mesmo das pessoas que neles habitam. A realidade do sonho é asbtrata e enevoada, e quando há algo próximo do concreto a situação é geralmente subvertida por algo fora do comum. É por isso que a nitidez cortante do universo onírico concebido por Christopher Nolan em A Origem me incomoda. As regras são muito rígidas, e até mesmo a física da realidade "interfere" no modo como os sonhos se desenvolvem. Se você está caindo na vida real, por exemplo, o seu eu onírico também estará caindo dentro do sonho – nunca na minha vida passei por experiência similar, a não ser em momentos de febre intensa em que algo no sonho poderia me cozinhar vivo devido à alta temperatura corporal. Dito isso, tenho que admitir que O Origem pede demais do espectador. Os lampejos de emoção são fragmentados e sempre acompanhados de alguma das aparições magnéticas de Marion Cotillard. No final, a distância entre sonho e realidade é transposta de forma abrupta. Numa sequência que já não estava muito condizente com a própria lógica criada até então, o desfecho se converte num estratagema apressado para criar polêmica. Nesse sentido, minha interpretação não é das melhores: o protagonista está morto.
Na edição simples do DVD, os únicos extras são um making-of curto de 12 minutos de duração e o trailer de A Lenda dos Guardiões, exibido quando o disco é inicializado.
Visto no cinema em 18-AGO-2010, Quarta-feira, sala 8 do Multiplex Pantanal
Muitos filmes já foram feitos utilizando o sonho como força motora da história, mas nenhum deles o fez com tanta força quanto A Origem (tradução infeliz do título original). Neste aqui, sonhos são a base para a compreensão (?) de uma trama multifacetada que é montada como um quebra-cabeças. Leonardo DiCaprio é o líder de uma equipe de mercenários cuja especialidade é adentrar os sonhos das pessoas e extrair deles informações sigilosas. Marcado por uma tragédia pessoal, ele é seduzido pela proposta de um rico empresário (Ken Watanabe) que lhe promete retorno seguro ao Estados Unidos e aos filhos que não vê há algum tempo. Ao contrário de "extrair" algo, desta vez a sua missão é invadir a mente de um magnata concorrente (Cillian Murphy) e lá "plantar" uma ideia que o leve a tomar uma determinada decisão de negócios no futuro. A estratégia para criar e manusear estes sonhos corresponde a uma lógica toda particular que Christopher Nolan cria – e expõe – com um senso estético que prioriza a objetividade cênica e a abstração narrativa, nunca o contrário.
Somente uma coisa me incomodou de fato no filme. O que não me agradou muito é o fato dos sonhos retratados por Nolan serem visualmente tão limpos. Nenhum sonho é assim tão nítido, com tamanha imensidão espacial. Certezas absolutas em sonhos são simplificações entrecortadas de conceitos concretos e abstratos, e retratar o plano dos mercenários com tanta objetividade exige um nível sem igual de suspensão de descrença. Do modo como o roteiro é construído, ela é arrancada à força da plateia. E o mais impressionante é que Nolan consegue seu intento.
Com um potencial enorme para provocar discussões acaloradas, A Origem traça um dilema diante do espectador, e exige dele um posicionamento sobre a eterna questão filosófica acerca de realidade e sonho, ou seja, a partir de que momento sabemos que estamos acordados e não mais sonhando e vice-versa? Referências temporais, por exemplo, são extirpadas dos períodos onde a história se passa no mundo real, somente encontrando função dentro dos sonhos. Essa é somente uma das pistas que são plantadas ao longo de todo o filme, enquanto certos personagens são com certeza caracterizados como projeções metafóricas uns dos outros. De todos eles, quem mais impressiona apesar de aparecer pouco, e sempre em circunstâncias de absurda tensão, é a ex-esposa do protagonista (feita com extrema finesse pela francesa Marion Cotillard). O trabalho de Leonardo DiCaprio, por sua vez, está muito parecido com aquele que ele fez no recente Ilha do Medo, e numa análise puramente orgânica o filme brilha não por ele, mas sim por Cotillard.
Objetivamente e interpretativamente falando, não sei se consigo divisar um significado definitivo para a história, mas estou pendendo para a opinião de que, da abertura até o final, tudo o que se passa na tela é sonho. De quem é o sonho já é outra história, só que não vou falar disso para não incorrer em spoilers.