Cinema

As Horas

As Horas
Título original: The Hours
Ano: 2002
País: Estados Unidos
Duração: 115 min.
Gênero: Drama
Diretor: Stephen Daldry (O Leitor, Tão Forte e Tão Perto, Trash - A Esperança Vem do Lixo)
Trilha Sonora: Philip Glass (Jenipapo, Contra Corrente, O Ilusionista)
Elenco: Meryl Streep, Julianne Moore, Nicole Kidman, Stephen Dillane, Miranda Richardson, Ed Harris, John C. Reilly, Toni Collette, Jack Rovello, Allison Janney, Claire Danes, Jeff Daniels, Linda Bassett, Christian Coulson, Margo Martindale, Eileen Atkins
Distribuidora do DVD: Imagem Filmes
Avaliação: 7

Basta dar uma olhada em qualquer biografia mínima sobre Virgina Woolf (1882 † 1941) para perceber a importância desta escritora de vida atormentada para a literatura do século XX. De idéias fortes e personalidade frágil, Woolf só publicou seu primeiro trabalho após os 30 anos, vivendo a partir daí momentos de altos e baixos emocionais que de certa forma pareciam se relacionar diretamente à qualidade da ficção de sua escrita. Um de seus romances mais conhecidos é Mrs. Dalloway, que viria a inspirar o também autor Michael Cunningham a escrever em 1998 o premiado romance The Hours, adaptado para o cinema neste trabalho do diretor Stephen Daldry.

A própria Virginia Woolf é transformada em personagem por Cunningham em As Horas. Interpretada por Nicole Kidman (que conseguiu com seu desempenho o cobiçado Oscar de melhor atriz), a escritora é o catalisador de eventos decisivos nas vidas de três mulheres, incluindo ela mesma. Como na idéia central do romance Mrs. Dalloway, o filme acompanha a rotina de um dia nas vidas destas três mulheres. Nos anos 20, enquanto se debruça sobre a elaboração do texto deste livro, Virginia se defronta com sua crescente loucura por se sentir tolhida na cidadezinha para onde o marido (Stephen Dillane) a levou após seu último colapso nervoso. No anos 50, a dona-de-casa Laura Brown (Julianne Moore) está grávida, mas é extremamente infeliz em seu casamento aparentemente perfeito, coisa que passa despercebida de seu marido (John C. Reilly), mas não de seu filho pequeno. Nos anos 2000, Clarissa Vaughan (Meryl Streep) se esforça para preparar uma festa em honra do amigo e ex-amante Richard (Ed Harris), que sofre de aids e não se conforma com a dedicação quase exclusiva que recebe de Clarissa.

Uma das mulheres coloca no papel um romance com nuances intimistas. O romance é lido, absorvido e utilizado como decisiva inspiração por outra mulher num futuro próximo. E a outra mulher parece estar vivenciando exatamente os mesmos eventos da fictícia sra. Dalloway. Sob certo ponto de vista pode-se dizer que o círculo entre elas se fecha ao final do filme, o que na verdade não é tão evidente assim. As Horas é um drama complexo que precisa ser visto mais de uma vez para que se possa tirar uma conclusão mais concreta sobre suas personagens, e até mesmo sobre a estrutura do filme em si. Muito disso se deve à dificílima adaptação do romance de Cunningham que, assim como na prosa de Virginia Woolf, concentra-se nas impressões, nos pensamentos e nas vidas interiores dos personagens, ao invés de focar na ação ou em atitudes propriamente ditas. Obviamente, colocar isso em imagens revela muito da sensibilidade do roteirista e do diretor.

Com certeza a ligeira confusão temporal provocada pelas idas e vindas da história, principalmente na linha narrativa que acompanha as atribulações de Virginia Woolf, advém das omissões da adaptação cinematográfica, por mais bem-feita que ela tenha sido. O deprimente suicídio da escritora abre e fecha o filme com estilo, mas causa um desconforto temporal que permanece mesmo após o fim do filme (afinal, ela se suicida no mesmo dia em que se passa o longa ou não?). A caracterização de Nicole Kidman está virtualmente perfeita, só em poucos momentos é possível reconhecer debaixo da maquiagem e do narigão postiço algum sinal da mulher fatal de obras mais calientes como De Olhos Bem fechados (Stanley Kubrick, 1999). A apresentação da personagem de Julianne Moore passa uma idéia meio errada das coisas, como se ela sofresse de alguma espécie de problema mental ou coisa do tipo. A melhor linha temporal é, sem sombra de dúvida, a de Meryl Streep. Ali é possível ver que a modernidade pode ter tornado um pouco mais fáceis as vidas, os anseios e os tabus vividos pelas mulheres, mas as dificuldades colocadas em papel por Virginia Woolf ainda ressoam com um frescor que se recusa a esmaecer.

Apesar da declarada homossexualidade da autora e de seu contemporâneo Michael Cunningham, as cenas e referências homossexuais do filme são bastante inocentes. Se o Oscar de Nicole Kidman foi justo? Pode até ter sido, mas ela é a atriz que aparentemente tem menos tempo de cena em As Horas. Julianne Moore e Meryl Streep comandam o filme, esta é a verdade. Numa análise mais agressiva, eu diria que toda a trama envolvendo Virginia Woolf poderia ser sido extirpada sem prejuízo ao cerne da história. Do jeito que está, fica como uma ponte e um motivo elegantemente sutis para as desventuras de Laura Brown e Clarissa Vaughan.

A edição em DVD do filme tem biografias e entrevistas curtas do elenco e do diretor, textos sobre a adaptação, galeria de fotos, um especial de 25 minutos sobre a vida de Virginia Woolf, 7 minutos de cenas de bastidores, trailer e também os trailers de Frida, Chicago, Uma Onda no Ar, Confissões de uma Mente Perigosa e A Promessa, este último reproduzido assim que o DVD é inserido no aparelho.

Texto postado por Kollision em 6/Dezembro/2005