Se até Batman e o Superman ganharam polpudos reboots em suas trajetórias cinematográficas, por que não também o agente criado por Ian Fleming e imortalizado por gente como Sean Connery e Pierce Brosnan? Confesso que até gostei da idéia, já que nunca fui muito fã da série 007. Geralmente via os filmes por não ter outra opção, pois desde criança a fórmula sempre me soou batida e sem atrativos. Com a aposta dos estúdios em realizar uma espécie de "Ano Um" com o personagem, atualizar agressivamente seu peculiar universo e entregá-lo a um ator que enfrentou uma resistência absurda dos fãs, fica uma incógnita sobre a longevidade desta nova fase. Independente de qualquer resultado nas bilheterias, acredito que as escolhas certas foram feitas, e que a franquia tem novamente condições para se inserir com peso dentro do grupo de arrasa-quarteirões de ação.
Tome a estética do filme, por exemplo. Tirando a mirabolante seqüência de abertura, que sinaliza uma espécie de marca registrada do diretor Martin Campbell (reparem a semelhança geral com a passagem que abre A Lenda do Zorro), o resto das cenas de ação é carregado com um realismo que distancia o longa das maluquices vistas nos filmes anteriores da série. Adicionem uma pitada do que já foi feito nos recentes longas da série Missão Impossível e A Identidade Bourne, e até mesmo em material mais antigo como Máquina Mortífera (notem como Daniel Craig corre atrás de veículos em disparada, à la Mel Gibson), e temos então um novo e brutal James Bond. Um Bond em formação, claro. E uma escolha de ator que já me agradou logo de cara, pois só o fato de praticamente todo o departamento feminino com quem troquei algumas idéias ter detestado o caboclo já é um bom sinal.
Alguns ainda não sabem, mas o agente do MI:6 James Bond acaba de ser promovido à categoria de "00", recebendo no caso o código de agente 007. Seguindo praticamente sozinho várias pistas que o conduzem até um perigoso investidor a serviço de terroristas (Mads Mikkelsen), ele chega a passar por cima de sua chefe imediata no serviço secreto, a enigmática M (Judi Dench). Para conseguir colocar as mãos de vez no bandido, Bond precisa usar todos os seus dons no pôquer para derrotá-lo num jogo de altas apostas no Cassino Royale, encravado num fictício país chamado Montenegro. Suportando seus movimentos estão um veterano infiltrado (Giancarlo Giannini) e a bela Vesper Lynd (Eva Green), femme fatale por quem Bond termina desenvolvendo um inesperado vínculo pessoal, vínculo este que pode levá-lo a uma aposentadoria precoce.
Parece que a história é simples. Sua evolução, contudo, demonstra que muita coisa é feita de modo meio atropelado, sem que o espectador tenha tempo ou oportunidade para digerir o que acaba levando o agente 007 de uma situação à outra. Por mais de uma vez tem-se a sensação de que o que está na tela é mais uma seqüência de Missão Impossível, já que a investigação empreendida por James Bond é excessivamente solitária, milimetricamente linear e pontuada por seqüências de uma crueza que soa como um assombro quando comparada à finesse característica dos Bonds anteriores. Neste último ponto é possível concordar com os roteiristas, já que trata-se da primeira missão do 007 e de como ele, de alguma forma, ainda tem alguns degraus a subir até atingir o status de agente experiente.
Brincadeiras à parte, como o fato do novo 007 ser bicudo e lembrar Michael Keaton em Batman - O Retorno (normalmente) e James Belushi em qualquer de seus filmes (na cômica cena da tortura), Daniel Craig faz o dever de casa direitinho e mostra bagagem física de sobra para viver o agente mais longevo da história do cinema por pelo menos mais uma tríade de filmes. Há diálogos que entram direto pro panteão das melhores cantadas da história do cinema ("Eu não sou uma mulher cruel para com meu marido, senhor Bond." – e a resposta: "Talvez você só esteja enferrujada."), mas há momentos em que o excesso de falação ameaça prejudicar o andamento do filme.
A queda de ritmo de Cassino Royale quando a história envereda pelo romance é provavelmente o que mais vai deixar os fanáticos revoltados. Ainda assim, a expectativa geral é que tudo se justifique nas inevitáveis seqüências. Afinal, a origem de 007 está aqui e, se depender da boa e velha forma com que o agente sempre foi conhecido – espião de classe e conquistador serial de beldades – ele não demorará tanto para declarar mais uma vez que é Bond, James Bond.
O próximo filme de Daniel Craig como Bond é 007 - Quantum of Solace.
Visto no cinema em 17-DEZ, Domingo, sala 6 do Multiplex Pantanal - Texto postado por Kollision em 21-DEZ-2006