Realizar um drama sério já era um desejo há tempos adiado de Charles Chaplin quando ele produziu, escreveu e dirigiu Casamento ou Luxo. Única obra do gênero em toda a sua filmografia no cinema mudo (ele faria o drama Luzes da Ribalta somente em 1952), o filme foi um sucesso de crítica mas um fracasso de público, na verdade o filme menos rentável de toda a sua carreira. Esquecido e renegado a último plano dentro da galeria de longas-metragens de Chaplin, a produção foi de certa forma resgatada pelo próprio quando que ele decidiu compor-lhe uma trilha sonora e reeditá-la para um relançamento na década de 70, sendo este um dos seus últimos trabalhos em vida.
Edna Purviance é Marie St. Clair, jovem que abandona seu amado (Carl Miller) numa cidadezinha do interior em circunstâncias trágicas. Ela chega a Paris sozinha, mas em pouco tempo se estabelece na sociedade como a amante do rico e esbanjador Pierre (Adolphe Menjou, excelente). Quando ela reencontra sua antiga paixão na cidade, agora um pintor suburbano, pobre e dominado pela mãe, e este revive o que um dia houve entre eles, uma grande dúvida emerge em seu coração: permanecer em sua vida de luxo e extravagâncias, como amante do ricaço, ou ceder ao pedido de casamento do homem de seu passado?
A estrutura dramática é clássica e impede que o filme se sobressaia em relação a outros dramas similares. No entanto, dotado de sutis e inovadores toques para a época, denota a maestria inata de Chaplin atrás das câmeras. Há seqüências cheias de significado e mesmo carregadas de crítica social, como a cena em que Marie e Pierre discutem o mérito do casamento e uma família é mostrada à janela do apartamento. Logo no início do filme, a boemia parisiense retratada pelas lentes de Chaplin diz muito de onde Federico Fellini pode ter se inspirado ao realizar o clássico A Doce Vida, de 1960.
Alavancar definitivamente a carreira dramática de Edna Purviance, coladoradora de Chaplin e sua principal atriz há anos, era um dos objetivos do filme, que no entanto projetou muito mais o nome do francês Adolphe Menjou, perfeito como o sorridente bon-vivant Pierre. A fisionomia de Carl Miller é marcante, parecendo mesmo saída de um dos filmes expressionistas alemães que vinham sendo realizados na época. Mesmo apesar de Chaplin ter filmado Casamento ou Luxo ambientando a história em Paris e desmascarando qualquer indício de que as críticas contidas no filme pudessem atingir de certa forma a América, seu lar adotivo, a obra foi proibida ou mutilada em muitos lugares com pretextos às vezes ridículos como, por exemplo, as várias cenas em que alguns personagens aparecem fumando. Um bom filme que permaneceu muito, muito tempo engavetado e ignorado, mesmo não sendo o melhor do criador que concebeu Carlitos. Pelo contexto social em que estava inserido, e pelas inovações que ajudaram a enriquecer a estrutura do cinema mudo, merece uma conferida.
Além da introdução curta de David Robinson, o biógrafo de Chaplin, o DVD contém como principal extra um documentário de 26 min. com participação da diretora norueguesa Liv Ullmann. Todas as cenas cortadas quando o filme foi relançado também aparecem nos extras, muitas delas realmente descartáveis. Completam o pacote o trailer, galeria de fotos e filmagens de época com a assinatura do contrato que criou a United Artists, da qual Charles Chaplin foi um dos fundadores, imagens da Paris dos anos 20 e o estranho filme amador Camille, de 33 minutos, com a participação de inúmeras figuras proeminentes da época.
Texto postado por Kollision em 2/Novembro/2004