Talvez nenhum outro filme da era muda combine com tamanha sutileza o humor e o lirismo romântico quanto esta obra-prima de Charles Chaplin, realizada já em plena efervescência da novidade que era o cinema falado no início da década de 30. A música, pelo menos, foi composta diretamente para seu lançamento, e percebe-se alguns efeitos sonoros aqui e ali. Mas nada de diálogos. Obviamente, nem era preciso, graças à atmosfera nostálgica que envolve o eterno vagabundo de chapéu e bengala e ao humor ingênuo e atemporal que sempre o acompanha.
Alguns fatos curiosos sobre a realização de Luzes da Cidade podem ser lidos em qualquer artigo da Internet, como o fato de Chaplin ter repetido uma mesma cena mais de 300 vezes para conseguir o take ideal. Ou a demissão da atriz principal após um atraso da moça, e sua subseqüente re-contratação devido ao desespero de se gastar ainda mais dinheiro do que já fôra investido. Tais coisas só atestam a índole perfeccionista de um realizador cujo gênio transcendia método, uma vez que nada das atribulações ocorridas na produção chega a ser notado durante o filme. Tudo flui muito bem, em determinados momentos a história pode te fazer engasgar de tanto rir e em outros apresentar os mais encantadores galanteios de toda a carreira de Carlitos.
A vagabundo é retratado em toda a sua glória no filme. Como sempre, ele aparece de onde menos se espera, para se envolver em mais e mais confusões até chegar a um final atípico, que muita gente considera um dos melhores da história do cinema. A amizade de Carlitos com um ricaço (Harry Myers), que só o reconhece quando está bêbado, cai como uma luva para que o vagabundo possa ajudar uma cega vendedora de flores (Virginia Cherrill) a superar suas dificuldades financeiras e, eventualmente, passar por uma operação que possa curá-la da cegueira. A trama é simples assim, e não precisa de muitas cartelas para ser narrada. A mais engraçada delas é Carlitos chamando o mordomo do playboy de "James" diante da florista, pouco depois dela confundi-lo com um ricaço.
Fazer graça da miséria sempre foi fácil para alguém como Chaplin, principalmente numa época em que os Estados Unidos patinavam em sua pior crise econômica do século XX. No geral, as gags são bacanas, mas não superam o nível obtido em O Circo, definitivamente o longa-metragem mais engraçado do cineasta. Isso ocorre porque a história de Luzes da Cidade ganha um aspecto um pouco mais elaborado quando comparada às suas obras anteriores (num crescendo de complexidade e genialidade que seria eventualmente consumido pelos problemas pessoais e políticos de Chaplin), com um lado humano que puxa o filme mais para o drama do que para a comédia. Nesse último departamento, os melhores momentos são as patacoadas que o vagabundo e o playboy aprontam no restaurante, e a luta de boxe em que Carlitos se mete para conseguir dinheiro para sua musa. Simplesmente impagável.
No DVD duplo, o segundo disco tem como extras uma introdução rápida narrada por David Robinson, biógrafo de Chaplin, um documentário de quase meia hora sobre o filme com a participação do diretor e produtor Peter Lord, uma longa cena excluída, vários especiais curtos com registros inusitados da época da realização do filme, o curta The Champion (10 minutos, feito por Chaplin em 1915), três trailers do filme, seis galerias de fotos, uma galeria de pôsteres e uma coletânea de 10 minutos com cenas famosas de outros trabalhos de Chaplin.
Revisto em DVD em 10-SET-2006, Domingo - Texto postado por Kollision em 15-SET-2006