O filme em questão foi concebido no auge do movimento expressionista que varreu o cinema alemão da década de 20, e até mesmo chega a remeter, através de seu título, ao seminal O Gabinete do Dr. Caligari (Robert Wiene, 1919). O que ele mais tem em comum com Caligari, é claro, é a presença em cena de seus dois astros, Conrad Veidt e Werner Krauss. Paul Leni, também um proeminente cineasta a serviço da estética expressionista, orquestra aqui uma coletânea de contos que se baseiam no imaginário coletivo, palco mais do que perfeito para os delírios visuais e cenográficos característicos deste marcante estilo do cinema mudo.
Uma propaganda de jornal anuncia a procura por um poeta que escreva anúncios publicitários sobre uma exposição de figuras de cera. Um jovem escritor (o futuro diretor William Dieterle) comparece ao circo e se apresenta ao seu administrador (John Gottowt), que logo lhe passa a incumbência de escrever histórias assustadoras sobre as estátuas de cera seu espetáculo: o promíscuo califa Harun al Raschid (Emil Jannings), o tenebroso czar Ivan, o Terrível (Conrad Veidt) e o assassino Jack, o estripador (Werner Krauss). Auxiliado pela secretária da exposição (Olga Belajeff), o poeta visualiza os contos em cenários de sonho, colocando a si mesmo e à garota em meio às histórias carregadas de humor, tensão e agonia.
Mesmo pertencendo à vertente fantástica originada por Caligari, fica difícil enquadrar O Gabinete das Figuras de Cera num determinado gênero. A diferença entre a ambientação do primeiro e do segundo contos é enorme, para dizer o mínimo. A trilha sonora adicionada ao filme é alegre demais, e ajuda a transformá-lo numa quase comédia em sua primeira parte, que é definitivamente a mais fluida e bem-acabada das três. O trabalho cenográfico e de figurino é o que mais chama a atenção, com excepcionais tomadas em enquadramentos abertos, a captura de várias cenas envolvendo peripécias perigosas e o emprego de alguns efeitos visuais aqui e ali. Quem mais brilha em cena é Conrad Veidt, que imprime ao seu Ivan, o Terrível um aspecto realmente ameaçador. Uma pena que sua história tenha menor duração e seja algo confusa em sua concepção.
Há vários indícios que atestam que o filme foi prejudicado pelas dificuldades financeiras da produção. Na capa do DVD e em alguns pôsteres há não somente três, mas quatro figuras de cera estampadas. Além dos já mencionados personagens imaginários há um tal de "Rinaldo Rinaldini", o qual também pode ser vislumbrado logo nas primeiras cenas do filme, quando o poeta conversa com o administrador da exposição e este lhe apresenta as estátuas de cera. A prova mais clara disso, contudo, é a seqüência que deveria focar Jack, o Estripador, numa clara evidência de falta de material e recursos. Se tivessem deixado essa parte de fora, talvez o final não se mostrasse tão decepcionante.
A transposição digital do DVD da Magnus Opus sofreu uma intervenção que aplica várias viragens (sépia, lilás, verde, azul) à fotografia original em P&B do filme, que se mostram bastante fortes quando assistidas no ajuste padrão dos monitores. Recomendo a diminuição agressiva da cor a até, no mínimo, 10% da escala. Como extras, o disco traz biografias de Paul Leni e dos três atores principais dos contos, trecho de um artigo escrito pelo diretor sobre a "arte do cenário no cinema", um curta educativo feito pelo próprio, intitulado Rebus Film No. 1 (1925, 15 minutos), e uma faixa de comentários meio tímida de Luiz Nazário, professor de cinema da UFMG.
Texto postado por Kollision em 6/Março/2006