Mergulhar no universo de personagens de Pedro Almodóvar parece sempre representar uma experiência única, pontuada por visuais de cores acachapantes e histórias às vezes absurdas. O espetáculo pode ser bizarro, tocante, chocante, mas nunca se pode dizer que algo que venha do diretor espanhol é desinteressante. Vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro, Tudo sobre minha Mãe é em seu âmago um drama. Porém, assim como boa parte de nossa vida cotidiana, há um toque bastante sutil de comédia que flutua sob a camada superficial da história de uma mulher que, para tentar superar uma tragédia pessoal, vai em busca de seu passado e nele encontra muito mais que refúgio e alento.
Manuela (Cecilia Roth) é uma enfermeira que mora sozinha com o filho que acaba de completar 17 anos. No dia do aniversário do rapaz, os dois vão assistir à peça Um Bonde Chamado Desejo, que termina por trazer à tona a vontade que ele tem de saber mais sobre o pai que nunca conhecera. Manuela lhe faz a promessa de contar tudo quando chegam em casa, mas uma tragédia acaba impedindo que isso aconteça. Disposta a reencontrar o pai do rapaz e revelar-lhe toda a verdade, Manuela deixa seu emprego e parte para Barcelona. Logo ela revê a antiga amiga prostituta Agrado (Antonia San Juan), que é na realidade um travesti, faz amizade com uma freira que ajuda os necessitados da região (Penélope Cruz) e se infiltra na vida da atriz Huma Rojo (Marisa Paredes), que desempenhara papel crucial no destino final de seu filho. Manuela acaba se tornando o epicentro de uma crônica que dará um novo sentido à sua vida, enquanto sua influência acaba mudando as de todos à sua volta.
O estilo típico de Almodóvar transparece na tela desde a primeira seqüência. São personagens comuns e mundanos, que a seguir adentram uma atmosfera quente, mais íntima e caótica. Com exceção de Manuela, do filho e dos pais da personagem de Penélope Cruz, todas as pessoas com participação ativa na história são transviados. Atrizes lésbicas, homens que implantam seios e se prostituem, freiras inocentes que aparecem grávidas de uma hora para outra, e por aí vai. O ritmo da história só engrena mesmo quando Manuela se aloja em Barcelona e passa a fazer parte da vida de uma consagrada e experiente atriz espelhada na persona de Bette Davis em A Malvada (Joseph L. Mankiewicz, 1950). Até mesmo o título é uma homenagem ao clássico ganhador do Oscar, onde Tudo sobre Minha Mãe é referência direta ao título original de A Malvada (em inglês, All About Eve, ou 'Tudo sobre Eva').
O caldeirão de referências que Pedro Almodóvar destila em sua 'homage' é prato cheio para os cinéfilos que já tiverem visto A Malvada e, de quebra, Uma Rua Chamada Pecado (Elia Kazan, 1951), outra obra que é homenageada muitas vezes ao longo do filme. É com maestria que o roteiro introduz as similaridades narrativas com as obras citadas na vida de Manuela, carregada de momentos ora tocantes, ora hilários. A certa altura a película adquire um tom mais desbocado e apimentado, centrado em torno das personagens femininas da história, sejam elas do sexo feminino ou não. Mais uma marca registrada do diretor, a franqueza com que os diálogos são proferidos não soa em nenhum momento vulgar, adequando-se perfeitamente ao universo tecido pelo roteiro. A maior prova disso é a poesia obtida com o desfecho da história, coisa que somente alguém como Almodóvar é capaz de levar a cabo sem parecer piegas ou simplesmente constrangedor. Cecilia Roth entrega uma performance tocante, mas o restante do elenco também está ótimo, principalmente Antonia San Juan como o travesti Agrado.
A edição em DVD da Fox traz apenas o filme em formato widescreen, sem nenhum extra sequer.
Texto postado por Kollision em 15/Maio/2005