A melhor coisa a respeito deste filme de Pedro Almodóvar, que praticamente não se diferencia em nada de todas as suas obras anteriores a ela, é a presença de Penélope Cruz. De volta à sua terra e à sua língua pátria, é possível compreender porque a atriz já foi tida em alta conta, em tempos muito anteriores à sua migração para os Estados Unidos e para Hollywood. Seja pelo talento ou pela beleza da moça, beleza do tipo que não transparece na tela a não ser que o diretor queira.
O título Volver não encontra associação fácil com a história, que se concentra das desventuras de duas irmãs influenciadas pelo fantasma da mãe. Poderia-se dizer que elas retornam ou direcionam seus olhares (principais significados do termo em espanhol) a algum lugar, a algum estado de espírito, a uma condição pré-conflito, a uma época de sofrimento e dor ou à paz consigo mesmas. Não há sutileza transparente num conto que começa como se fosse uma crônica bizarra dos irmãos Coen, evolui para uma comédia de cunho fantástico e, por último, acaba enveredando pelo drama pesado e por uma trilha de redenção cheia de espinhos. Uma grande parte da sorte de Almodóvar, ao mesmo tempo responsável por tirar o filme do lugar comum e garantir o interesse por um relato que tende para o mundano em certos momentos, volta a ser o primoroso elenco feminino, liderado por Penélope Cruz e agraciado com o retorno de Carmen Maura, antiga colaboradora do cineasta.
Raimunda (Cruz) e sua irmã Soledad (Lola Dueñas) visitam o túmulo de sua falecida mãe (Carmen Maura) para limpá-lo e encerá-lo, conforme dita a mórbida tradição do lugarejo onde elas cresceram. Elas também visitam uma tia senil que conversa com a mãe das moças como se ela ainda estivesse viva, e é olhada de perto por uma prestativa amiga da família, Agustina (Blanca Portillo). A desgraça vem em dose dupla quando a tia vem a falecer e a filha adolescente de Raimunda (Yohana Cobo) passa a ser molestada pelo próprio pai. O fantasma da matriarca da família passa a aparecer com maior freqüência para Soledad, desencadeando eventos que afetam drasticamente as rotinas de todas as mulheres que a conheceram em vida.
Tenso, engraçado, revoltante e tocante, o filme é puro Almodóvar. Ensaia uma retorno às cores berrantes do início da carreira do diretor, mas somente timidamente, e sempre em passagens abrilhantadas por uma radiante Penélope Cruz. O mistério que a narrativa tenta estabelecer não é à prova de antecipação, pois dá para farejar a maior parte das revelações finais de longe. O desprezo pelos personagens masculinos é tão gritante que, no final do filme, a platéia fica a se indagar se o marido de Soledad também não entrou na dança protagonizada pelas demais mulheres da família. Elas, por sua vez, voltam a encarnar a força motora por trás dos acontecimentos enquanto representam o papel de pivôs de tragédias e mudanças, uma constante na filmografia de Almodóvar.
Há mensagens dentro da trama, com certeza. Sendo uma história centrada em pessoas, é sempre possível tirar algo de proveito do filme relacionado à natureza humana. A idéia que mais forte me veio à mente é a de que, não importa quão absurda seja a atitude de alguém, não importa o grau de revolta com o qual nos deparamos nestas situações, sempre há um motivo para tudo. Ninguém abandona alguém sem motivo, ninguém sai de seu comportamento natural sem uma boa razão, ninguém renega alguém completamente sem que algo muito importante tenha acontecido. E retornar (volver) a uma condição de equilíbrio é algo que talvez só no universo do cinema seja assim tão mágico e providencial.
Visto no cinema em 22-NOV, Quarta-feira, sala 2 do Multiplex Pantanal - Texto postado por Kollision em 25-NOV-2006