Serpentes a Bordo corresponde exatamente ao produto vendido de forma maciça através da Internet e divulgado com eficiência idem pelos meios de comunicação pertinentes. Mais um drama de avião com, bem, muitas serpentes a bordo. Diz-se que a experiência de se fazer o filme transcendeu o conceito de roteiro-produção para incorporar também as sugestões dos fãs, que responderam como nunca aos chamados do mundo virtual e criaram uma expectativa absurda antes mesmo do longa ser lançado nos cinemas. Isso pode até ser verdade mas, no final das contas, nada disso parece ter importância. Principalmente quando o resultado do filme não acrescenta em nada àquilo que todos já estão acostumados a ver em se tratando de pastiches do tipo.
Pelo menos numa coisa o filme acerta. Tanto o diretor quanto os produtores e o elenco decidiram não levar a história do longa a sério. Já é meio caminho andado para a diversão pipoquenta dos cinéfilos que apreciam a violência pseudo-pasteurizada do cinema americano. Seja ela com muitas cobras de plástico, serpentes que ganham vida a partir de efeitos de computador ou vítimas pustulentas dependuradas no compartimento de bagagens de um grande avião comercial. Colocar o nome de um ator cool na mistura obviamente ajuda, e o fato de Samuel L. Jackson ter abraçado o projeto com entusiasmo foi com certeza decisivo para elevar o hype de um filmeco que, de outra forma, não teria tido chance alguma nas bilheterias.
Surfista à toa no Havaí (Nathan Phillips) é testemunha do assassinato de um promotor pelas mãos de um chefão da máfia local (Byron Lawson). Perseguido, o cara não vê outra alternativa a não ser acompanhar um agente do FBI (Samuel L. Jackson) para testemunhar contra o bandido numa corte dos Estados Unidos. Eis então o grande mote do filme. O malfeitor dá um jeito de infiltrar uma quantidade absurda das cobras mais venenosas do mundo inteiro dentro do avião rumo a Los Angeles, atiçando as bichinhas com feromônios e libertando-as quando todos já estão bem acima no meio do oceano.
O triste é saber que, logo que a patacoada começa, tudo será conduzido exatamente como dita a cartilha dos milhões de filmes já produzidos sobre tal tema. Personagens são apresentados, os que devem morrer logo nem ganham introdução direito, atos de extremo heroísmo ocorrem aqui e ali, a coragem de gente inesperada aflora e "surpreende" o pobre do espectador e, claro, todas as adversidades são vencidas no final. Sim, há a cena do casal no banheiro e da cobra que dá uma dentada no bilau de um incauto... Não era isso que foi tão alardeado na Internet? E sabem quanto de originalidade ou impacto vem junto com o pacote? Nem queiram saber...
Legal seria se a cobra que rodeia o bebê não fosse repelida pela aeromoça heroína. E que os moleques fossem devidamente trucidados por uma jibóia assassina. E que fosse a sósia de Heather Graham a vítima de dentro do banheiro. O único susto decente é o sofrido por Julianna Margulies quando esta vai procurar o piloto tarado, talvez a única quebra de clichê presente na caracterização de personagens.
Por outro lado, se isso é exatamente o que os fãs queriam ver, coisa na qual eu sinceramente não gostaria de acreditar, então o cinema de terror/suspense americano ainda está longe de evoluir como deveria. Pelo menos no que diz respeito à interatividade criativa propiciada pela Internet.
Visto no cinema em 14-SET, Quinta-feira, sala 6 do Multiplex Pantanal - Texto postado por Kollision em 16-SET-2006