Os road movies são um estilo de filme à parte que, quase sempre, mescla características de outros gêneros, o que os torna muitas vezes difíceis de serem caracterizados. Assim com outros exemplos notórios (Thelma & Louise, A Morte Pede Carona), isso também acontece com Sideways, um retrato íntimo de dois amigos que é ora dramático, ora extremamente divertido. A aventura é o trajeto psicológico dos protagonistas, e a recompensa ao final do percurso é o auto-conhecimento adquirido a duras penas.
O professor ginasial e pretenso escritor Miles Raymond (Paul Giamatti) decide levar o amigo ator Jack (Thomas Haden Church) numa viagem de degustação de vinhos de uma semana através das vinícolas da Califórnia, como espécie de presente de despedida de solteiro para o colega. Miles é depressivo e melancólico, muito devido à separação ainda não superada de sua ex-esposa, mas compensa tudo com um entusiasmo impressionante quando o assunto é vinhos. Como Jack é mulherengo e extrovertido, não demora muito para surgirem os conflitos, que tomam forma definitiva quando entram em cena Maya (Virginia Madsen) e Stephanie (Sandra Oh), os novos interesses amorosos de Miles e Jack, respectivamente.
Apesar de ter poucos filmes em seu currículo, o diretor Alexander Payne já construiu uma fama exemplar com um olhar que retrata a pessoa comum de forma imparcial mas com um leve toque ácido, permeado de humor negro, como mostrado, por exemplo, em As Confissões de Schmidt (2002). Aqui, a amizade entre dois homens de meia-idade é pano de fundo para uma análise um pouco árida sobre a constante procura por sucesso e felicidade, regada a muito vinho e estranhamente cadenciada. O ritmo é lento no início, quase contemplativo como a lição de degustação dada por Miles logo que a dupla cai na estrada, e só ganha certo movimento quando as mulheres desta pequena aventura exigem algo mais de seus parceiros. Notadamente, o epicentro da história a partir de então torna-se o escritor frustrado Miles, soberbamente feito por Paul Giamatti, que consegue inspirar ao mesmo tempo aversão (como a visita à sua mãe demonstra), pena (a irritante ligação emotiva com a ex-esposa) e admiração (a lealdade com o amigo durante o "resgate" de um objeto perdido). Payne faz questão de demonstrar que nenhum de seus personagens é santo, mas que todos são verdadeiros em sua essência, cada um com virtudes e fraquezas que devem ser em algum ponto do caminho sobrepujadas, por bem ou por mal.
Dito isso, o filme é mais uma amostra do melhor que Alexander Payne fez até hoje, do início ao fim. Quem gosta, geralmente gosta bastante, e quem não gosta tem a tendência de taxar o filme de chato. A verdade é que o início do processo de auto-superação psicológica do personagem de Giamatti com certeza irritará muita gente, mas o que vem depois compensa. O modo como as facetas negras de cada personagem são expostas é deliciosamente sutil, a fotografia de fim de tarde das vinícolas visitadas pela dupla é linda, e um único porém fica para a ótima participação de Virginia Madsen como o novo sopro de vida na rotina insossa de Miles, que poderia ser bem maior. Thomas Haden Church, que recebeu uma indicação ao Oscar de melhor ator coadjuvante, está bem em cena, mas o show é mesmo de Paul Giamatti.
Ganhador da estatueta de melhor roteiro adaptado, Sideways apresenta um belo e simpático drama, engraçado e imprevisível como a vida pode ser quando nos despimos de suas reservas em nome de uma verdadeira aventura.
Texto postado por Kollision em 14/Março/2005