O público em geral adora uma história de superação. Se ela fôr baseada em fatos reais, mais ainda. A impressionante trajetória do vendedor Chris Gardner, que havia lançado em Maio de 2006 uma autobiografia com o mesmo título deste filme, é uma daquelas histórias que representam a matéria-prima bruta de um bom longa-metragem. Na safra de filmes de 2006, nenhum outro trabalho tem o potencial de levar o espectador às lágrimas como este, uma parábola sobre perseverança, sacrifício e o preço da felicidade – sendo felicidade, neste caso, o sinônimo de sucesso e independêndia financeira. Nada mais apropriado para um universo tão capitalista quanto o americano.
No início dos anos 80, Chris Gardner (Will Smith), sua esposa (Thandie Newton) e seu filho pequeno Christopher (Jaden Smith, também filho de Will na vida real) batalham duro para se sustentar em San Francisco. Chris atua dia após dia como vendedor de uma engenhoca médica cara e de difícil aceitação no mercado, enquanto deixa o filho numa creche pela manhã e volta para pegá-lo à tarde. Cada vez mais desprovido de perspectivas, Chris vislumbra uma chance de melhorar de vida ao ter um inusitado encontro com um corretor de ações. Enquanto sua vida pessoal se desmorona e sua esposa abandona a família, ele faz de tudo para ser escolhido para um concorrido programa de estagiários de uma grande empresa do setor, sem qualquer esperança de sucesso futuro ou emprego fixo.
Pode ser que o formato do dramalhão não tenha mais o mesmo apelo do passado. Até por um cinismo subliminar que permeia as mentes das pessoas, principalmente daqueles que pertencem a uma parcela mais esclarecida da população economicamente ativa, a idéia de que um filme seja construído como um drama pesado capaz de levar pessoas às lágrimas é geralmente tomada como barata, manipulativa e exploratória –––– OK, um tempo então –––– Pois filmes são feitos de boas histórias, e elas podem existir em qualquer gênero, sob qualquer formato, em qualquer época. E está muito mais do que evidente, hoje em dia, que produtos como À Procura da Felicidade representam um bem cada vez mais raro e valioso. Afinal, onde é possível encontrar entretenimento que enaltece o respeito, a educação, a perseverança, a dignidade, o amor verdadeiro e os valores morais mais básicos com exemplos retirados da vida real? Soa piegas? Então talvez seja hora de revermos nossos conceitos do que é certo e do que é errado. E de como é verdadeiramente formado o caráter de uma pessoa.
É óbvio que as liberdades narrativas existem dentro do filme, mas estas são poucas e justificadas dentro da estrutura de um longa-metragem. Há apenas um flashback em toda a história, que mostra um momento de felicidade ilusória, baseada em conjecturas sobre um futuro iluminado e esperançoso. Como o verdadeiro Chris e muitas outras pessoas já descobriram, é preciso mais do que esperança para conseguir aquilo que queremos. E o filme do diretor italiano Gabriele Muccino é pródigo em adornar todos os exemplos positivos (e negativos também) de um homem que, com muito esforço, encontrou seu lugar ao sol. Sem apelar para o caminho mais fácil, geralmente sinônimo do que é ilícito e ilegal. Sem jamais humilhar ou agredir o próximo sem necessidade. Sem se deixar abater pela auto-comiseração que ainda hoje é a causa raiz da miséria de quem acredita ser uma injustiça não ter tudo aquilo que se deseja.
Elenco ótimo, com Will Smith descendo do pedestal de astro de pastiches de ação e Thandie Newton se despindo do glamour de seus personagens habituais. O moleque é uma figura, e demonstra ter futuro se algum dia for seguir o caminho do pai. Que, com este filme, acaba finalmente de ganhar um pouco do meu respeito como fã de cinema.
Visto no cinema em 20-FEV, Terça-feira, sala 5 do Multiplex Pantanal - Texto postado por Kollision em 25-FEV-2007