Se na natureza nada se perde, mas tudo se transforma, talvez no cinema a coisa funcione assim também. Só que, assim como na Física, a entropia inerente ao processo de transformação parece estar degradando tudo o que é reciclado, e estamos falando aqui de uma enorme parcela dos grandes lançamentos comerciais, que cada vez mais têm apelado para releituras de filmes do passado. Minha impressão ao assistir o trailer se confirmou, colocando Poseidon quase na mesma categoria de filme-xerox do novo A Profecia, só um pouco abaixo em matéria de eficiência dramática.
A história é a mesma, sem tirar nem pôr, do original O Destino do Poseidon, pequeno clássico dos filmes-catástrofe dirigido por Ronald Neame em 1972. Navio da escala do Titanic é atingido por uma onda gigantesca em plena virada do ano, estragando a festa dos seus passageiros e tripulantes ao virar a embarcação de ponta-cabeça. Um pequeno grupo liderado por um jogador egoísta (Josh Lucas) acredita que a salvação está em escalar os compartimentos do navio até o topo, para escapar da água que ameaça inundar todos os compartimentos submersos. Quem divide a liderança do grupo é o ex-bombeiro e ex-prefeito de Nova York (Kurt Russel), que viaja em companhia da filha (Emmy Rossum) e seu namorado (Mike Vogel), sendo que há ainda um homossexual suicida (Richard Dreyfuss), uma mãe solteira (Jacinda Barrett) e seu filho, um beberrão intragável (Kevin Dillon) e uma imigrante ilegal (Mía Maestro). A dúvida sobre quem vive e quem morre enquanto o nível da água sobe é o que mantém a trama em movimento.
Wolfgang Petersen e o mar têm uma história pregressa, isso todo mundo já sabe. A gana do cineasta por filmes épicos também é conhecida. Seu estilo pode não ser tão dinâmico quando o de um Ridley Scott, mas ele tem lá seus defensores. Logo, o seu compromisso com mais este remake de cunho desnecessário não deixa de soar como desperdício de talento e tempo, quando ele poderia muito bem estar se dedicando a alguma obra inédita, fosse ela épica ou não. A pergunta, claro, permanece a mesma: por que refazer algo que já era muito bom? E a resposta pode ser vislumbrada em qualquer sessão cheia do filme, onde adolescentes pululantes e em sua maioria ignorantes se refestelam com tal material requentado. É triste pensar que o futuro do cinema como forma de entretenimento está fadado a esse tipo de coisa.
Em relação aos idos da década de 70, nem mesmo o avanço na tecnologia digital consegue fazer uma diferença muito grande no modo de se impressionar uma platéia por muito tempo. A melhor seqüência do filme é a de abertura, um mise-en scene espetacular que dá ao espectador uma idéia bastante clara do quão grande é o navio que está prestes a se tornar uma visão do inferno. O resto é ladeira abaixo, principalmente para quem conhece o filme original (desculpem, a comparação é inevitável), numa jornada com ocasional suspense (e ocasionais forçadas de barra, mas tudo bem) e uma visível falta de tato e profundidade na caracterização dos personagens principais do conflito (algo que foi essencial para o sucesso da primeira versão). Josh Lucas ainda está longe de ter carisma para assumir um papel principal, Emmy Rossum está péssima e, estranho o bastante, quem acaba morrendo são justamente os personagens mais carismáticos do grupo.
Não dá para dizer que o resultado da película é uma catástrofe, como andei lendo por aí. Mas incomoda ver (antigas) boas idéias sub-utilizadas de forma leviana, criando filmes que são meramente sombras dos longa-metragens que elas chegaram a render no passado.
Texto postado por Kollision em 7/Julho/2006