Vendido como um neo-Pulp Fiction, esta comédia disfarçada de filme policial (ou seria o contrário?) vem embalada em muita panca e tem a sorte de contar com alguns medalhões imbatíveis em seu elenco. Basta dizer que, em lados diferentes de uma guerrinha mafiosa maluca, estão ninguém menos que os oscarizados Morgan Freeman e Sir Ben Kingsley. Mas não são estes digníssimos senhores que necessariamente fazem a ligação do filme com a estética estabelecida por Quentin Tarantino, e sim o coringa Bruce Willis, no papel de um matador com uma mira mais letal que a de Mel Gibson em Máquina Mortífera.
Há uma boa e engraçadíssima dose de humor negro na história de Slevin (John Hartnett), um homem confundido com alguém que ele não é. Principalmente nos diálogos rápidos e carregados de ironia que respondem pela associação do longa com o cinema tarantinesco, e em participações hilárias como a do camaleão coadjuvante Mykelti Williamson, na pele de um dos capangas lerdos de Morgan Freeman. Slevin se instala no apartamento de um amigo ausente e é confundido com ele por um dos chefões, que o coloca num beco sem saída que só piora quando ele dá de cara com o outro chefão. A vizinha maluquinha (Lucy Liu) insiste em ajudá-lo, enquanto um policial (Stanley Tucci) não sai da sua cola. Correndo por fora está o assassino feito por Bruce Willis, cujo propósito na história é uma grande incógnita.
Não é a falta de uma seqüência de ação mais prolongada que não permite que o filme seja qualificado como muito bom. Não é a confusão rocambolesca e complicada em que se torna a jornada de Slevin a verdadeira pedra no sapato de uma idéia relativamente muito boa. O calcanhar de Aquiles de Xeque-mate, e isso é algo no qual é preciso pensar um pouco após se assistir ao filme, é o fato das imagens e de várias das seqüências mostradas romperem as regras auto-impostas pela narrativa e trapacearem a percepção do espectador a fim de garantir um impacto maior no momento em que a grande revelação ocorre. Ou, quando colocado de forma bastante simples: nem tudo o que é mostrado em cenas de flashback é necessariamente verdade. O que é um pecado para uma história de clima noir que se sustenta em pistas relatadas para a montagem de um intrincado quebra-cabeças.
A outra coisa que incomoda é a ausência de uma unidade narrativa, uma vez que o tom do filme muda da água para o vinho a partir de um determinado ponto, de forma tão drástica que todas as piadinhas que foram feitas no início da história chegam a perder a graça. Nem é possível escrever algo a respeito sem revelar fatos cruciais do roteiro, por isso a melhor coisa a fazer é assistir ao filme com a mente preparada para receber uma dose dupla de emoções – primeiro ria com vontade, e a seguir se esbalde com um espetáculo quase grotesco de frieza e vingança.
No entanto, há que se dar algum crédito ao diretor/roteirista pela ousadia. Basta um pouco mais de tato no tratamento da história e ele será capaz de fazer algo realmente bombástico num trabalho futuro.
Visto no cinema em 14-OUT, Sábado, sala Moviecom 2 do Rondon Plaza Shopping - Texto postado por Kollision em 17-OUT-2006