O Garoto é o primeiro longa-metragem de Charles Chaplin, que retrata um período conturbado de sua vida e praticamente redefine sua carreira. Iniciada como o projeto de mais um de seus já famosos curtas, a filmagem levou mais de um ano para ser concluída e mais meio ano para ser lançada. Apenas alguns dias após a morte de seu primeiro filho (falecido com apenas três dias de idade), Chaplin começou a filmar O Garoto, única obra em toda a sua filmografia em que ele tem um coadjuvante à altura, o primeiro astro infantil da história do cinema: Jackie Coogan. Chaplin concluiu o filme com a vida pessoal de pernas para o ar e divorciado de sua primeira esposa, mas deu o pontapé inicial a uma das mais brilhantes séries de longas-metragens da história do cinema, tanto mudos quando falados.
Uma mãe pobre e carente (Edna Purviance) deixa, com pesar no coração, seu bebê recém-nascido para ser encontrado por uma família rica, para que assim ele tenha a chance de um futuro mais feliz. No entanto, o destino faz com que o bebê seja abandonado num dos bairros mais pobres da cidade, local das caminhadas diárias de um lendário vagabundo. Este, quando entra em cena, logo dá de cara com o bebê em trapos e, por mais que tente se livrar dele, não consegue. Fisgado por um instinto paternal irrefreável, Chaplin adota o moleque. Cinco anos mais tarde, os dois evoluem para, além de pai e filho, excelentes colaboradores na arte de quebrar e consertar vidraças da vizinhança. Mas a mãe, que agora é uma artista de sucesso, pratica ações de caridade e está muito perto do vagabundo e do garoto, sua incrível versão em miniatura.
Iniciado em 1919 e lançado em 1921, o filme fez sucesso estrondoso em todo o mundo. Atacado por uma crise de inspiração antes da realização do filme, principalmente devido aos seus desentendimentos com Mildred Harris, sua primeira e jovem esposa, Chaplin reencontrou a si mesmo através das várias adversidades que lhe afligiam, e compôs um conto maravilhoso que mescla pastelão e drama de forma divina. Várias seqüências antológicas sucedem-se ao longo de pouco menos de uma hora, iluminadas pela simbiose perfeita entre Chaplin e Coogan. Sendo um de seus filmes mais pessoais, muito da própria infância pobre e miserável do gênio aparece em O Garoto, bem além do que já era ou ainda seria regular em sua extensa filmografia retratando a pobreza.
Ao assistir ao filme, é quase impossível não ostentar um largo sorriso no rosto, mesmo nos momentos de calma. Um clássico irretocável, cujo único pecado é não continuar a história após sua última cena, encerrando-a com apenas 50 minutos de projeção (originalmente, eram 68 min. de duração). Com ela Chaplin revelou-se um exímio contador de histórias também em longas, que suplantariam em breve seus característicos curta-metragens. A trilha sonora impecável viria a ser composta pelo próprio em 1971, adicionando ainda mais mágica àquilo que já era perfeito.
Há uma infinidade de extras no DVD duplo. Desde os obrigatórios documentários (uma introdução curta do biógrafo David Robinson e um material de 26 min. sobre o filme, com uma participação meio apática do diretor iraniano Abbas Kiarostami), passando por trailers (inglês, alemão e holandês), galerias de fotos e pôsteres e alguns especiais curtos, como o número de dança de Jackie Coogan para os executivos, sua ovação em Paris, a viagem de Chaplin à Inglaterra e a gravação da trilha sonora em 1971. As três cenas cortadas por Chaplin para o relançamento do filme envolvem a mãe e o pai do garoto, mas em nenhuma delas o vagabundo ou Coogan aparecem.
As pérolas que dão um brilho a mais ao DVD são o curta caseiro de 10 min. Nice and Friendly, realizado rapidamente por Chaplin durante a visita de alguns amigos (e que mostram de onde o mexicano Roberto Bolaņos pode ter tirado sua inspiração para o personagem Chapolin), e o filme de 55 minutos My Boy, estrelado por Jackie Coogan e realizado pouco depois de O Garoto.
Texto postado por Kollision em 28/Outubro/2004