A vertente cinematográfica que envolve filmes mais contemplativos e reflexivos encontra representante de peso nesta obra do português Manoel de Oliveira, um veterano que já passava dos 90 anos quando comandou as filmagens desta produção franco-lusitana. Ao ver este filme, concluo que a impressão que tenho de seu modo de fazer cinema permanece na linha tênue, instável e quase intransponível entre uma perplexidade pusilânime e a aversão ideológica irredutível.
O enredo tem um único personagem central, ao redor do qual todo o filme gravita. No fim de uma bem-sucedida carreira no teatro e no cinema, o veterano ator Gilbert Valence (Michel Piccoli) de repente se vê só com o neto após um terrível acidente que lhe tira a esposa e a filha. Sua rotina de vida em Paris é retratada pelas lentes do diretor em tom quase documental, enquanto seu agente tenta convencê-lo a aceitar papéis na TV e no cinema que acabam entrando em conflito com sua inabalável integridade artística.
Material facilmente digerível Vou para Casa não é, apesar da simplicidade absurda com que todas as tomadas e cortes são feitos. O diretor não é, e provavelmente jamais foi, chegado a malabarismos com a câmera, que é posicionada sempre de forma não intrusiva, quase como refletindo o olhar de um espectador incauto e desconhecido, ou um objeto inanimado a serviço do ser humano (como na cena da maquiagem diante do espelho). O desempenho do elenco é o único mestre das mudanças, que praticamente inexistem sob uma forma dinâmica. A repetitividade do cotidiano, os semblantes dos personagens, as reações de seus pares, os diálogos mundanos, os sons fora de cena, é basicamente disso que Manoel de Oliveira lança mão para mostrar o ocaso da carreira do grande ator.
Michel Piccoli desfila diante das câmeras com desenvoltura ímpar, o filme todo é praticamente dele. John Malkovich faz um coadjuvante de luxo, obrigando todo o elenco a deixar de falar francês para falar inglês quando ele entra em cena. Em meio a todo o drama de roupagem realista é possível identificar algum humor, o que é sempre muito bem vindo. O que predomina, no entanto, é o retrato imparcial de um personagem, e uma veia semi-poética que demora tempo demais para atingir ponto crítico.
Tenho que ser sincero e afirmar que este não é meu modo favorito de encarar ou apreciar a arte cinematográfica. Não gosto, por exemplo, do modo como é conduzida a cena de abertura do filme, principalmente a seqüência em que o ator veterano, interpretando um rei, enaltece e depois se queixa de tudo, sempre de costas para a platéia. É agoniante, chego a pensar em desrespeito para com o espectador. A jornada do ator é lenta demais, irritante às vezes. Mesmo assim, reconheço que o estilo tem seus pontos positivos, que neste filme vêm com um final difícil de ser colocado em palavras, calcado na surpresa de uma criança diante de algo que ela sabe ter mudado para sempre, sem ao menos ter idéia do que mudou. As sugestões apresentadas à platéia durante o desenvolvimento da história são interessantes, provocando a curiosidade e a dúvida sobre o quanto de verdade há sobre o modo como ele se refere à própria intimidade familiar, ou até que ponto este homem tão vivido abraça (ou almeja) a solidão.
Texto postado por Kollision em 19/Novembro/2005