Esta foi, definitivamente, a mais controversa das adaptações de HQs cujo boom iniciou-se e faturou muitos milhões com X-Men - O Filme (Bryan Singer, 2000). Não pelo conteúdo de sua história, extremamente inofensivo em vista do potencial de seu personagem, mas sim pela escalação de seu diretor, o cineasta de Taiwan Ang Lee. O nome de Lee, sempre associado a filmes contemplativos e de arte, causou tanto espanto por parte dos fãs mais hardcore quanto esperança dos mais ecléticos, que passaram a torcer por uma releitura que saísse do lugar-comum sempre relacionado a histórias de super-heróis. Não que o lugar-comum seja uma coisa ruim, mas o olhar de alguém "de fora", mesmo que arriscado, é sempre bem-vindo em qualquer gênero cinematográfico.
A origem do golias esmeralda, carinhosa alcunha que o monstro verde recebeu em seu berço de origem, tem no filme de Ang Lee uma retratação diferente da original, principalmente devido às óbvias limitações físicas inerentes à idéia de uma explosão militar no deserto. Na versão do filme, Bruce Banner (Eric Bana) é um cientista que trabalha para os militares num projeto de reconstituição celular cujos primórdios datam das atividades obscuras desenvolvidas pelo pai que não conheceu (Nick Nolte), também cientista e estigmatizado por uma terrível tragédia do passado. Trabalhando ao lado da ex-namorada Betty Ross (Jennifer Connelly), filha do implacável general Ross (Sam Elliott), Bruce é acidentalmente exposto a uma alta dose de raios gama em seu laboratório, o que desencadeia em seu organismo uma terrível metamorfose condicionada ao seu estado emocional. Quando alterado, ele se transforma num super-humano gigante, verde e virtualmente indestrutível, que causa o caos ao seu redor e só a frágil Betty Ross parece ser capaz de acalmar. O aparecimento do Hulk coincide com o retorno em cena do pai de Bruce, o que desperta a ira do general Ross e a cobiça de Glen Talbot (Josh Lucas), um subalterno seu que deseja se aproveitar do monstro.
Havia dois grandes empecilhos diante de Ang Lee e sua equipe durante o processo adaptar o Hulk para as telas: 1) como manter a fidelidade aos quadrinhos e 2) como fazer os efeitos do monstro. O primeiro desafio foi contornado modificando-se muita coisa da cronologia original, porém com uma preocupação constante em manter intacta a essência dos personagens. Neste ponto, não há dúvida de que o filme foi bem-sucedido. No segundo a história já muda de contexto. A preocupação com a composição digital da criatura, uma decisão que desde o começo causara polêmica, é tamanha que parece eclipsar todo o resto do filme. Pode-se dizer que, quando o Hulk está em ação (leia-se cara feia, músculos em riste, violência e destruição) o negócio funciona que é uma beleza, apesar de algumas das cenas envolvendo dublês saltarem aos olhos pela falta de sincronismo com o material digital adicionado na pós-produção. Os momentos de calmaria e contemplação, no entanto, mostram-se muito mais complicados do ponto de vista dramático, e não chegam a convencer de todo.
Para os fãs mais ardorosos do Hulk, outras pequenas coisas que arranham o entusiasmo são a verborragia exacerbada de alguns diálogos, as metáforas meio bobas que acompanham as explosões de fúria do Hulk, e as próprias explosões de fúria em si, que carecem de uma motivação mais forte para que o personagem de Bruce Banner seja levado ao limite e a transformação tenha início (coisa em que o seriado com Bill Bixby e Lou Ferrigno era muito bom). De resto, os saltos gigantescos que ele dá em meio à paisagem desolada do deserto americano são puro deleite visual, assim como o confronto dele com as forças armadas lideradas pelo general Ross, perfeitamente personificado por Sam Elliott. O resto do elenco assume seus papéis com igual competência, mas acredito que Jennifer Connelly poderia ter se soltado mais ao fazer o papel do grande amor de Bruce Banner.
Um dos melhores aspectos deste filme, e muitos hão de concordar com isso, é o estilo de edição "quadrinístico" adotado pelo diretor, que emula muitos dos conceitos das HQs e confere bastante dinamismo à ação. Desta forma, a narrativa consegue suscitar por vários momentos a sensação de se assistir a uma HQ em movimento. Pontos polêmicos, como a presença dos cachorros mutantes e o aproveitamento abusivo do pai de Banner como alavanca de conflito na história, não ferem em nenhum momento a estética adotada pelo filme, que inclui homenagens veladas a vários personagens secundários da revista em quadrinhos, como os vilões Homem-Absorvente e Zzaxx. São detalhes bacanas que ajudam a despertar o apreço por um filme atípico em se tratando de adaptações de HQs, que infelizmente decepciona por demorar um pouco para se estabelecer como narrativa e não consegue capturar com eficiência o clima dos quadrinhos.
O primeiro disco do DVD duplo vem com uma faixa de comentários de Ang Lee acompanhando o filme, além de um recurso que permite acessar especiais behind-the-scenes durante a sessão. O DVD extra traz um making-of enxuto de 23 minutos, quatro especiais que variam de 5 a 16 minutos e cobrem a evolução do Hulk nos quadrinhos, a performance de Ang Lee fazendo o processo de motion capture para o monstro, a briga do Hulk com os cachorros mutantes e as técnicas especiais de edição do filme. Há ainda 6 minutos de cenas excluídas, um recurso meio bobo que mostra curiosidades triviais sobre a força do Hulk, e a recriação de quatro desenhistas renomados para a cena em que Bruce Banner/Hulk dão uma lição em Glen Talbot, acompanhadas de biografias dos artistas (Adam Kubert, Salvador Larroca, Tommy Ohtsuka e Katsuya Terada).
Texto postado por Kollision em 24/Abril/2006