Este não é somente um dos últimos filmes que Ingmar Bergman dirigiu para o cinema em sua extensa e quase irretocável carreira. Ele é também marcado pela colaboração histórica entre o diretor e sua conterrânea Ingrid Bergman, que fez carreira na época de ouro de Hollywood e, aqui, tem seu canto do cisne. Último filme da renomada atriz sueca, Sonata de Outono rendeu-lhe uma merecida indicação ao Oscar de melhor atriz, além de amealhar outra indicação na categoria de roteiro original.
O filme é Bergman em sua melhor forma, o que foi extremamente bem-vindo após a experiência inexplicável da ópera filmada A Flauta Mágica, de 1975. Desta vez o cerne da história é o relacionamento entre mãe e filha, num drama familiar em que as emoções explodem em momentos de insustentável vulnerabilidade de situações e personagens. Como nos demais grandes filmes do diretor, o elenco é bastante reduzido, e o maior trunfo da película volta a recair sobre a fenomenal dupla de atrizes em cena.
Eva (Liv Ullmann) é casada com Viktor (Halvar Björk), e envia uma carta convidando a mãe Charlotte (Ingrid Bergman), uma pianista de enorme sucesso internacional, para visitá-los após uma ausência de sete anos. Velhas rotinas, diferenças de comportamento e pontos de vista conflitantes voltam a surgir entre elas, principalmente quando a mãe fica sabendo que sua outra filha doente (Lena Nyman) também habita a mesma casa, sob os cuidados de Eva e do marido.
Dentre vários significados presentes no texto do diretor, Sonata de Outono é bastante eloqüente em vários conflitos em particular, como o fato das falhas da mãe de alguma forma passarem para a filha, e das inevitáveis conseqüências que surgem quando é preciso fazer escolhas que sacrifiquem a família em prol da carreira profissional. De um início bastante convencional, talvez um dos mais convencionais dentro de toda a filmografia do cineasta, o filme lentamente descende para um espetáculo de crueza emocional angustiante, daquelas que muita gente passa a vida inteira sem vivenciar. A cena ao piano, da qual inclusive deriva o título do filme, é crucial e estabelece o início da desestruturação. Ela mostra com uma ausência quase completa de diálogos a extrema falta de sintonia entre mãe e filha, e a dependência emocional que não desvanece mesmo depois de uma vida adulta. A aversão da mãe em relação à filha doente é de cortar o coração pela crueldade e insensibilidade, e o fato dela ser transmitida por um ícone do cinema como Ingrid Bergman dá um impacto ainda mais terrível à situação.
Se houve uma injustiça em relação às premiações do filme na época de seu lançamento, a maior delas foi não laurear Liv Ullmann com o mesmo grau de importância com que Ingrid Bergman foi laureada. Do alto de sua serena austeridade e dentro da frieza inerente à sua personagem, Bergman só pôde transmitir tal dramaticidade graças à sua interação com Ullmann, que interpreta a filha com uma garra impressionante. Ela mostra uma sinceridade em cena que, numa análise mais atenciosa, representa a verdadeira força do longa.
Acompanham o filme no DVD da Versátil o trailer de cinema, uma galeria de fotos e pôsteres e uma mini-biografia de Ingmar Bergman.
Visto em DVD em 2-NOV-2006, Quinta-feira - Texto postado por Kollision em 7-NOV-2006