De acordo com os críticos especializados, Noites de Circo faz parte do primeiro ciclo de grandes obras dirigidas pelo cineasta sueco Ingmar Bergman. Mestre na caracterização de personagens imersos em crônicas de caráter humanístico e grande conhecedor dos meandros psicológicos de suas criações, Bergman faz deste filme um janela para o desespero velado que a realidade é capaz de provocar dentro de um relacionamento desgastado, usando como pano de fundo uma arte precursora daquela que ele próprio praticava, no ambiente muitas vezes inescrutável de um circo itinerante.
O circo em questão pertence a Albert (Åke Grönberg), que retorna à cidade onde mora a esposa e filhos para mais uma apresentação. Quando uma tempestade destrói quase toda a indumentária dos artistas, ele se vê obrigado a pedir ajuda ao diretor de uma companhia de teatro local (Gunnar Björnstrand). Suas dificuldades ganham outra dimensão quando Anne (Harriet Andersson), sua bela e jovem amante no circo, é cortejada por um dos atores da companhia de teatro (Hasse Ekman). A insistência de Albert em rever a esposa antes do espetáculo da noite agita os ânimos da amante, que não hesita em colocar para fora todas as frustrações que acompanham sua vida no circo.
Bergman não só é um cineasta único, assim como cada um de seus filmes possui uma identidade raramente vista na filmografia de outros diretores, como também soube como ninguém reconhecer e montar elencos que colaboravam para fazer a diferença e aumentar o apelo de cada um de seus filmes. Descoberta e lançada por Bergman em Monika e o Desejo, seu filme anterior, Harriet Andersson enche a tela com sua graça e com um erotismo velado que foi a principal causa da indiferença mostrada pela crítica da época em que o filme foi lançado. Não há nada de muito escandaloso a esse respeito, essa é a verdade, mas basta dizer que a moça concede uma luminosidade que vem bem a calhar na história sombria de Noites de Circo, uma alegoria quase onírica com um pé no expressionismo, que fere de forma dolorosa a redoma de segurança que costuma cercar as pessoas imersas numa realidade da qual não conseguem escapar.
O lado onírico do filme fica por conta de suas tomadas externas, sempre lúgubres, escuras e quase surreais em sua concepção. A aproximação cênica da seqüência de abertura, que apresenta as carruagens do circo em sua peregrinação por um cenário de desolação árida, é de uma maestria ímpar, assim como a seqüência de flashback que a sucede, que de certa forma antecipa a desgraça que está para se abater na vida do reconchudo Albert (cuja silhueta lembra a do ator expressionista Emil Jannings). Li em algum lugar que algumas pessoas taxam o filme de ser excessivamente masoquista na concepção de seus personagens principais. De fato, a humilhação a que eles se submetem em sua jornada de sobrevivência, o preconceito de que são alvos e as decisões tomadas em momentos de desolada degradação dão motivo a tal interpretação. O enfoque dado à tentação, ao arrependimento e ao desespero que acompanham tudo isso demonstram a habilidade do diretor em capturar as sutilezas psicológicas que dramas com essa estrutura requerem.
E coitado do pobre urso.
A seção de extras do DVD tem uma galeria de fotos e pôsteres da produção, texto com algumas críticas da época e uma biografia de Ingmar Bergman.
Texto postado por Kollision em 25/Junho/2006