Cinema

Monstros

Monstros
Título original: Freaks
Ano: 1932
País: Estados Unidos
Duração: 62 min.
Gênero: Terror
Diretor: Tod Browning (O Vampiro da Meia-noite, Drácula [1931], A Boneca do Diabo)
Trilha Sonora: — (não creditada)
Elenco: Olga Baclanova, Harry Earles, Henry Victor, Wallace Ford, Leila Hyams, Daisy Earles, Roscoe Ates, Rose Dione, Daisy Hilton, Violet Hilton, Schlitze, Josephine Joseph, Johnny Eck, Frances O'Connor, Peter Robinson, Angelo Rossitto, Olga Roderick, Koo Koo, Prince Randian, Martha Morris, Elvira Snow, Jenny Lee Snow, Elizabeth Green, Edward Brophy, Matt McHugh
Distribuidora do DVD: Magnus Opus
Avaliação: 10

Às vezes é preciso que uma carreira seja destruída para que um obra-prima possa ser criada. Na de Tod Browning, um proeminente cineasta que havia tido sua carga de dificuldades durante a transição do cinema mudo para o falado, o sucesso e o prestígio pareciam encaminhados após o resultado excepcional da sua adaptação da peça teatral de Drácula, realizada somente um ano antes de Monstros. Tendo sido ele próprio um integrante de circo itinerante em sua juventude, é possível compreender o entusiasmo de Browning em relação a um roteiro que chegou a causar desconforto entre os funcionários do próprio estúdio onde estava sendo filmado. Colocar num mesmo filme um monte de gente deformada de verdade suscita reações como essa ainda hoje, que dirá na conservadora década de 30.

Muitas vezes confundido com um conto de terror puro, há na realidade muito mais de drama dentro da história do circo cujas maiores atrações são o grupo de aberrações da natureza que satisfazem a curiosidade insaciável das pessoas nos vilarejos por onde eles passam. Uma das únicas pessoas normais do circo, a trapezista Cleópatra (Olga Baclanova) aproveita-se do fascínio que exerce sobre o apaixonado anão alemão Hans (Harry Earles), destruindo o coração de sua prometida Frieda (Daisy Earles). Primeiro ela tira-lhe o dinheiro, ousando depois contrair matrimônio com ele para apossar-se de sua herança. Aliada ao intragável Hércules (Henry Victor), Cleópatra conduz sua farsa com total desdém por Hans e seus amigos, as aberrações que mantêm o sucesso do show. Porém, algo terrível está fadado a acontecer assim que ela deixa de esconder sua repulsa pelos anões, pelos rejeitados e pelos deformados.

Para a época de seu lançamento, Monstros foi taxado de subversivo, ofensivo, grotesco além do admissível, um trabalho de extremo mau-gosto e uma afronta aos direitos humanos dos párias usados em sua história. Em nenhum momento durante as filmagens isso se mostrou verdade, e é sabido que Tod Browning tratava seus "astros" com muito mais dignidade que muitos diretores comuns costumam tratar seus elencos. Uma de suas intenções era retratar a dualidade e a superficialidade que acompanham o conceito da beleza física, que nem sempre é sinal de boa índole, e muitas vezes esconde os verdadeiros "monstros" em nossa sociedade. A personagem Cleópatra é, portanto, a força motora que encarna tal constatação, num papel que fôra originalmente destinado a Myrna Loy. Ela foi somente um dos nomes (assim como Jean Harlow) que pularam fora do barco ao tomarem contato com o conteúdo do filme e se darem conta de que teriam que atuar ao lado de aberrações de circo.

Cinematograficamente falando, a obra de Browning tem lá seus deslizes. O roteiro sofre com algumas passagens forçadas, como a revelação que Frieda faz a Cleópatra e que desencadeia toda a desgraça no grupo, e não esclarece muito bem quem é o administrador do circo, por exemplo. A atmosfera construída, no entanto, é dotada de um encantamento que só foi possível graças às presenças de todas as pessoas da vida real, e não de bonecos ou atores usando maquiagem pesada. Quase todos os deficientes que aparecem na tela são reais, desde o incrível "torso vivo" (Prince Randian, um homem nascido sem os braços e sem as pernas, mas capaz de acender um cigarro com a boca), passando pelas pobres almas vítimas de microcefalia até as gêmeas siamesas, participavam na época de atrações circenses com relativo sucesso. Além disso, num trabalho memorável de direção de atores, Browning fez com que todos colaborassem para um resultado fascinante e singular, que jamais poderá ser repetido ou refilmado. Aí reside outra qualidade que torna o filme único.

Soa triste saber que o filme foi banido de muitos estados norte-americanos e até de outros países por anos, e que, com isso, o diretor entrou numa espiral de decadência que o retirou prematuramente do mundo do cinema. Mesmo sendo curtinho, Monstros carrega uma carga impressionante de humanidade, numa história que cruza os conceitos de normal e freak com maestria, ousadia e coragem. Os monstros, por assim dizer, não são os deformados de nascença, que neste filme possuem um rígido código interno de proteção entre si. E nem todos os humanos normais são maus, como prova o casal legal formado pelo palhaço Phroso (Wallace Ford) e sua namorada Venus (Leila Hyams). Estas diferenças se entrelaçam e acabam conduzindo à tensa seqüência de revolta durante a noite de tempestade. Antológica, ela é simplesmente um dos maiores momentos do cinema macabro de todos os tempos.

A edição em DVD tem como extras um prólogo esclarecedor de 2 minutos que deveria ter sido exibido nos cinemas na ocasião da projeção do filme, uma galeria com fotos de várias atrações de circo da época, três variações da seqüência final do filme, biografia de Tod Browning e seis artigos em texto relacionados a este trabalho e ao universo dos circos de aberrações.

Texto postado por Kollision em 11/Março/2006