Revisto em DVD em 10-FEV-2008, Domingo
Realidade + sensibilidade + liberdade poética. Combinação perfeita para uma indicação ao Oscar, digamos assim, o que não chega a ser nenhum demérito. O pequeno problema com este filme é a apatia que permeia praticamente todos os papéis do elenco adulto, característica que cai bem somente à esposa distante feita por Radha Mitchell, e confere aos demais um ranço que não deixa a história atingir o intento dramático pretendido. Ainda bem que as crianças fazem bem a sua parte, em especial Freddie Highmore, que daí passou a alçar vôos mais ambiciosos em sua ainda curta mas prolífica carreira no cinema. Bonitinho e quase ordinário, Em Busca da Terra do Nunca enternece como uma Sessão da Tarde ensolarada e sem pretensões.
Os extras do DVD consistem de um making-of de pouco mais de 20 minutos, uma galeria de fotos, trailer e os trailers de Maria Cheia de Graça, O Tempero da Vida e do documentário Riding Giants - No Limite da Emoção. Além deles, os trailers de Em Boa Companhia, Cinco Criaturas e a Coisa e Tentação também são exibidos quando o DVD é inicializado.
Texto postado por Kollision em 17/Fevereiro/2005
O mundo da fantasia deve muito a James Matthew Barrie, dramaturgo que na virada do século XIX para o século XX concebeu a história de Peter Pan, o garoto que não envelhecia e que podia voar. Presença atemporal na imaginação de crianças e adultos, a história de Peter Pan encanta gerações há décadas. A vida de seu criador, no entanto, nunca foi muito conhecida do grande público, mas encontra agora uma transposição cinematográfica que mescla com um pouco de liberdade o lado fantasioso de sua obra a aspectos reais de sua vida.
Barrie é interpretado no filme por Johnny Depp, que inicia a história encarnando o escritor em um período morno de sua carreira. Ele é mental e criativamente tolhido pelo fato de suas peças não fazerem mais sucesso junto à classe aristocrata inglesa, além de estar imerso num casamento infeliz com a bela mas fria Mary (Radha Mitchell). Tudo muda quando ele conhece a viúva Sylvia (Kate Winslet) e seus quatro filhos num passeio pelo parque. Instantaneamente fascinado pela vivacidade e capacidade imaginativa dos garotos, Barrie passa cada vez mais tempo na companhia deles e de sua mãe, aproveitando a oportunidade para, a parti daí, compôr os alicerces do que em breve se tornaria sua peça mais famosa, as aventuras de Peter Pan na Terra do Nunca.
Visualizar uma dramatização feita a partir de uma pessoa que realmente existiu pode ser complicado, ainda mais quando a história fictícia renega, distorce deliberadamente uma característica importante da vida de sua fonte ou concentra-se em apenas uma faceta de sua personalidade. Em Busca da Terra do Nunca deixa bem claro logo em seu início que o foco é a relação de Barrie com as crianças e sua mãe, e ponto final. Todo o resto é periférico. E, pelo menos neste quesito, a escolha dos realizadores do filme é levada a cabo com bastante competência.
Tudo o que poderia ser considerado polêmico, ou mesmo criar qualquer conflito desnecessário, foi retirado do roteiro em detrimento da fantasia. Há, inclusive, várias cenas que retratam a imaginação de Barrie em plena atividade, apontando para inúmeros elementos e referências que viriam a fazer parte da história de Peter Pan. Os maiores empecilhos ao exercício criativo do dramaturgo no filme, as figuras da esposa e de sua sogra adotiva (Julie Christie), parecem não lhe causar muito mais que um desconforto casual relacionado à sensação de perda e autoridade, o que é compreensível quando se analisa a personalidade do verdadeiro J. M. Barrie. Seus biógrafos atestam que o escritor era impotente, ou mesmo assexuado, alguns até mesmo apontam-no como outro filho que Sylvia agregou à sua família, ao invés de um suposto amante. Nada disso é sequer esboçado no filme, que limita-se a manter Barrie numa redoma intransponível de inspiração e seriedade. Outra característica singular apontada por seus biógrafos é que ele também quase não sorria na vida real, assim como Johnny Depp em sua correta atuação. Alguns dos melhores momentos estão reservados à dupla formada por Depp e Freddie Highmore, excelente como Peter, o mais cético dos quatro garotos e cujo nome foi a provável inspiração para o personagem fantasioso concebido por Barrie. Dustin Hoffman, como o compreensivo produtor das peças do dramaturgo, tira uma onda do nome Capitão Gancho e de si mesmo, já que ele interpretara o personagem em Hook (Steven Spielberg, 1991).
Em Busca da Terra do Nunca é um filme belo, poético, desguarnecido de reservas realistas e valorizado por uma linguagem mais lírica que o habitual, em se tratando de um trabalho biográfico. É cinema para emocionar, enternecer e enaltecer, que carrega a mensagem de que na vida, às vezes, é preciso também fantasiar e acreditar.