Mais um filme quase inclassificável saído da mente fértil de Charlie Kaufman, o roteirista responsável pelas viagens de Quero Ser John Malkovich e Adaptação, Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças mantém o mesmo tom bizarro dos outros dois, e traz o eterno palhaço Jim Carrey num papel sério. Mais sério que O Show de Truman ou Cine Majestic, diga-se de passagem. O mais esquisito de tudo é que o filme é, em sua essência, um romance, e pode pegar os desavisados acostumados às maluquices de Kaufman de surpresa. Carrey é Joel, um cara extremamente introvertido que acabou de levar um pé na bunda da namorada. A moça é Clementine (Kate Winslet, em performance deliciosa), uma jovem espevitada e impulsiva, que ainda por cima recorre a uma bizarra clínica para ter todas as suas memórias ao lado de Joel apagadas. Resultado: de repente, ela nem se lembra que ele existe. Em desespero, Joel decide passar pelo mesmo tratamento, para que possa se esquecer dela de uma vez por todas e começar uma vida nova. Porém, durante o tratamento nas mãos dos "técnicos" Mark Ruffalo e Elijah Wood, ele percebe que na verdade não quer perder as lembranças de Clementine, e tenta a todo custo reverter a situação e mantê-la em sua mente.
Soa familiar, não? Quero Ser John Malkovich também se baseava numa bizarrice parecida, que mesclava invasões de mentes e de corpos com uma história de paixão nada convencional. Este tipo de abordagem escapista já virou meio que marca registrada de Charlie Kaufman, que aqui abandona a parceria com o diretor Spike Jonze para trabalhar com Michel Gondry. O tema é de fato muito parecido, mas a ênfase, no caso, é no romance. De estrutura completamente atípica e não convencional, mas ainda assim um romance.
Como nos outros filmes de Kaufman, Brilho Eterno contém ótimos diálogos, que entrecortam seqüências que vão e voltam no tempo, revelando aos poucos como Joel apaixonou-se por Clementine. À medida que ele tem suas memórias apagadas, mais desesperado ele fica. Em alguns momentos as lembranças de Joel se misturam às coisas que ele, inconsciente, ouve ao seu redor, o que faz com que uma sensação de realidade desconexa esteja sempre presente. Esta sensação característica pode não agradar a todos, mas com certeza faz do filme mais um ponto fora da curva em meio à cinematografia atual, tornando-o um programa imperdível para quem procura uma diversão um pouco mais profunda.
É nítida a forma como a película abandona o lado 'maluco' e se concentra na realidade nua e crua de seus personagens em seu trecho final, o que conduz a um desfecho catártico. Se uma parcela da platéia ainda achar que não viu grande coisa antes do clímax, com certeza mudará de opinião assim que os créditos subirem. E, ainda que soe clichê em se tratando de uma drama romântico com alguma comédia (mesmo que não convencional), devo dizer que boa parte dos espectadores sairá da sessão com uma nova perspectiva sobre a vida a dois. O resultado do filme, que mais uma vez planta no espectador a coceirinha que o faz querer assisti-lo mais de uma vez, não seria o mesmo sem a presença dos dois atores principais. Mais do que o roteiro esquizofrênico de Charlie Kaufman, os excelentes desempenhos de Carrey e Winslet são as forças motoras de Brilho Eterno, que está ainda bem provido de elenco coadjuvante.
A seção de extras da edição em DVD do filme contém um making-of rápido de 10 minutos, uma conversa com Jim Carrey e Michel Gondry de um quarto de hora, 6 min. de cenas excluídas, o videoclipe de Light & Day, do Polyphonic Spree, e a propaganda na íntegra da empresa milagrosa chefiada pelo médico apagador de mentes feito por Tom Wilkinson.
Texto postado por Kollision em 2/Setembro/2004 - Revisto em 13/Outubro/2005