O futuro não muito distante (pós-apocalíptico ou não) e a figura do herói relutante e casca grossa são hoje clichês tão batidos que ninguém chega a pensar de onde isso pode ter surgido, ou quando o tema foi levado às telas pela primeira vez. É bem possível que a onda tenha surgido ou tomado forma definitiva no início da década de 80, em obras como Mad Max (George Miller, 1979) e este Fuga de Nova York, e se alastrado rapidamente em filmes que iam do lixo total a até bem produzidas aventuras futuristas. Os dois citados possuem em comum o fato de terem sido filmes de baixo orçamento, realizados por cineastas talentosos que na época tinham algo para provar.
O ano é 1997 e, devido à elevação alarmante dos índices de criminalidade, a outrora próspera cidade de Nova York foi transformada numa grande prisão, cercada por minas e muralhas intransponíveis. A regra é clara: depois de ser aprisionado lá dentro, o condenado nunca mais sai. Kurt Russel é o herói de guerra renegado Snake Plissken, que chega à Nova York de 1997 para cumprir pena após ser capturado. Quando o avião presidencial é abordado por terroristas e jogado dentro da cidade-prisão, com o presidente (Donald Pleasence) dentro, Plissken recebe uma chance de liberdade do comandante Bob Hauk (Lee van Cleef) caso consiga resgatá-lo dentro de no máximo 22 horas, quando uma importante reunião de cúpula internacional para coibir uma iminente guerra terá início.
Hoje inserido na categoria de 'filmes sobre um futuro que já passou', Fuga de Nova York ainda sustenta um resquício de charme, principalmente devido à visão pessimista de Carpenter. O diretor, também responsável pela climática trilha sonora, concebeu um mundo intenso em seu reduzido universo (a cidade-prisão), mas completamente vago num âmbito mais global. Nada fica claramente definido sobre a valiosa carga que o presidente carrega em sua maleta, ou sobre a tal 'guerra' que pode acontecer a qualquer momento. O Plissken de Kurt Russell é propositalmente monossilábico e carrancudo, e não inspira um mínimo de carisma, o que chega a ser deveras controverso devido ao sucesso que o filme fez na década em que foi lançado. A insistência de todos os outros personagens em achar que ele estava morto ('I thought you were dead, Snake!') chega a ser irritante, já que nem mesmo o motivo dele ter sido preso é explicado direito. Para compensar, há a sua clássica fala 'call me Snake'.
Também é impossível não notar alguns aspectos hoje risíveis do futuro imaginado pela equipe técnica, como o uso de uma fita cassete que carrega informações altamente confidenciais, relógios de pulso do tamanho de celulares tipo tijolão ou as conversas em walkie-talkies monstruosos (Lee van Cleef chega a usar um trambolho tão pesado que ele precisa segurá-lo com as duas mãos). O hoje destruído World Trade Center também tem participação crucial na história, distanciando-a ainda mais de qualquer correlação com nosso presente. Como filme de ação, Fuga de Nova York também fica devendo, mas há alguns momentos tensos, sendo a visão escapista de um futuro extremamente pessimista o melhor atrativo da película.
O detalhe mais lamentável da edição em DVD lançada pela Universal nem chega a ser a ausência total de extras, mas sim o desleixo da legendagem em português. Coalhada de erros de digitação, a tradução é rala e contém equívocos de dar medo.
Texto postado por Kollision em 23/Janeiro/2005