Denzel Washington entra em cena e avalia a destruição provocada por uma explosão. Cortes rápidos que passam das vítimas ensangüentadas às vítimas carbonizadas e de volta ao semblante sério do ator. Um pouco de câmera lenta aqui e ali, umas pistas colocadas estrategicamente para dar algo para o espectador pensar algumas dezenas de minutos mais tarde. Denzel Washington, ou melhor, seu personagem, demonstra sua destreza ao ir direto na ferida da investigação do desastre, atraindo a atenção e o respeito de um agente do FBI que o colocará na missão de sua vida.
A sinopse acima soa como um videoclipe de cerca de 5 minutos? Não é de se estranhar, e é exatamente essa estética que o veterano Tony Scott insiste em manter em seus trabalhos, imprimindo a seus filmes um estilo frenético e ainda inegavelmente adequado a longas-metragens de puro entretenimento. A descrição em questão corresponde à apresentação inicial do personagem de Denzel Washington, um ator que ainda está muito longe de perder sua identificação junto ao público em geral. Dentro do universo capturado pelas câmeras de Scott, então, Washington está em casa, e mais uma vez personifica o policial que fará de tudo para desvendar um crime, numa trama que tenta unir ao máximo a parafernália e a conversa tecnológica com a irresistível fantasia do deslocamento temporal – sempre atraente quando o filme é feito com competência.
Após a mencionada explosão, que manda pelos ares uma enorme balsa na região portuária de Nova Orleans e faz mais de 500 vítimas, o policial local Doug Carlin (Washington) chega para dar o primeiro combate na coleta de pistas e logo é abordado por um agente do FBI (Val Kilmer), que lhe oferece a oportunidade de participar de um revolucionário método de investigação. Contando com um maquinário que os possibilita enxergar toda a área próxima ao acidente cerca de quatro dias e meio no passado, os policiais são liderados por Carlin e acompanham a rotina de uma das aparentes vítimas do desastre (Paula Patton), assassinada horas antes do evento mas cujo corpo foi descartado de forma que fosse confundido com uma das pessoas que estavam na balsa. A afeição de Carlin pela moça é imediata, mas não os resultados da investigação, amarrada por restrições temporais que podem, talvez, serem revogadas em nome da salvação de centenas de pessoas.
Tão envolvente quanto pode ser quando a platéia se despe da incredulidade e embarca na proposta fantástica do filme, Déjà Vu mistura o gênero de investigação policial com uma pitada de ficção científica e um romance impossível, com resultados plenamente satisfatórios. A premissa inicial talvez exija um tempo para que todos se acostumem a ela, e o roteiro deliberadamente desacelera para que isso aconteça. Nesta etapa, um dos aspectos mais eficientes da história é o modo como é mostrada, e posteriormente desenvolvida, toda a fascinação do policial pela vítima cuja intimidade se desnuda nas telas dos computadores milagrosos. O que deixa claro que não é só o senso de dever que leva o protagonista a extremos para resolver o caso, mas sim a paixão avassaladora que o consome.
Como em todos os filmes sobre viagens no tempo, os paradoxos são criados e, felizmente neste caso, obedecidos até onde possível. O ponto fraco do filme, portanto, não são as armadilhas deixadas pelas linhas temporais que em determinado momento se sobrepõem, mas sim a motivação do terrorista responsável por toda a tragédia (vivido com um semblante incômodo por James Caviezel). Seus argumentos são ralos, e o grosso de sua motivação parece ter sido esquecido ou deixado de fora do filme. Por sua postura e tom de voz, Caviezel demonstra que tomou algumas lições de vilania com Ralph Fiennes, e ao menos oferece um contraponto à altura a toda a altivez heróica de Denzel Washington.
Por ser um bom passatempo, a obra de Tony Scott é indicada para todos, mas fará a alegria ainda maior de gente que aprecia contos sobre realidades alternativas, alguma física quântica básica, conflitos de causalidade e o eterno dilema relacionado ao conceito de destino.
Visto no cinema em 29-JAN, Segunda-feira, sala 4 do Multiplex Pantanal - Texto postado por Kollision em 4-FEV-2007