Cinema

Filhos da Esperança

Filhos da Esperança
Título original: Children of Men
Ano: 2006
País: Estados Unidos, Inglaterra
Duração: 109 min.
Gênero: Ficção científica
Diretor: Alfonso Cuarón (Gravidade, Roma)
Trilha Sonora: John Tavener
Elenco: Clive Owen, Chiwetel Ejiofor, Claire-Hope Ashitey, Pam Ferris, Michael Caine, Julianne Moore, Charlie Hunnam, Danny Huston, Peter Mullan, Juan Gabriel Yacuzzi
Avaliação: 8

No futuro idealizado por Alfonso Cuarón a partir do livro da britânica P.D. James, a Inglaterra é o país dos sonhos de toda a população mundial. Num intrincado e essencialmente bizarro golpe do destino, foi um dos únicos países do planeta que se manteve inteiro após uma hecatombe social que tem um ponto de partida fantástico: o nascimento do último ser humano é registrado no ano de 2009. Mas a história de Filhos da Esperança se passa em 2027, logo após o assassinato da pessoa mais jovem ainda viva, ainda tratada pela mídia por "bebê" e alvo dos olhares de um mundo cada vez mais próximo da completa extinção da humanidade.

Além do conceito decididamente atraente, que transforma esta ficção científica com toques de aventura numa fantasia imperdível, o filme vem ornamentado com um crítica mordaz ao declínio do planeta Terra pela ação do homem, e à idéia de que, de alguma forma, o ponto mais alto da raça humana como sociedade já foi atingido. Estaríamos numa espiral descendente rumo ao desastre e ao desaparecimento, processo que é catalisado pela inexplicável infertilidade mundial e por uma degradação de valores capturada com incrível virtuosismo pelas câmeras de Cuarón. Pode haver beleza mesmo no final dos tempos? Se depender dele, podem apostar que sim.

Herói relutante numa fantasia depressiva que ousa ser escapista-futurista sem tirar o pé do nosso presente, o inglês Theo (Clive Owen) é subitamente surpreendido por uma ex-namorada de juventude (Julianne Moore), então uma ativista pelos direitos dos oprimidos que é tratada como uma perigosa terrorista pela imprensa em geral. Ela o convence a escoltar a imigrante Kee (Claire-Hope Ashitey) até a fronteira do país, em companhia de uma senhora mais velha (Pam Ferris) e de um aliado rebelde (Chiwetel Ejiofor). Quando as coisas saem do controle e o pequeno grupo é obrigado a se refugiar, Theo descobre que o buraco em que se meteu é mais fundo do que pensava: a moça que o acompanha está grávida, e há muito mais do que simples altruísmo no interesse daquele estranho grupo de pessoas, que aparentemente só preza o seu bem-estar.

Ser imigrante é crime. Ser inglês é como ser alemão numa Alemanha em que os arianos foram os vitoriosos na Segunda Grande Guerra. Ao escolher a Inglaterra como o porto seguro da humanidade e transformá-la num campo de concentração para os imigrantes, Filhos da Esperança cria um cenário que beira o surreal, onde a realidade decadente coloca a modernidade e a barbárie lado a lado e serve de espelho para as piores atrocidades que o ser humano é capaz de fazer contra seu semelhante. O contraste entre esta característica e o lirismo embutido no desfecho da jornada de Theo e Kee engloba a mensagem que Alfonso Cuarón tenta transmitir. Que a esperança jamais deve ser abandonada, e que a bondade floresce mesmo nos recônditos mais abjetos de um mundo que se recusa a ver a razão, mesmo diante do fim iminente de toda a espécie humana.

Tanto a escancarada crítica político-social quanto a utopia extremista que desafia uma lógica mais apurada para os fatos científicos nos quais o filme se sustenta são filmadas com um olhar frio, descorado e de enquadramentos nada menos que virtuosos. São inesquecíveis, por exemplo, as seqüências de mise-en scéne dentro do carro e do fogo-cruzado entre os rebeldes e os militares – esta última se deixa macular pelo sangue de um combate cru e meticulosamente coreografado. A trilha sonora soa visionária, e é deliberadamente calcada em várias composições do Pink Floyd, que ganha também algumas referências perdidas dentro da história.

Neste trabalho, fica evidente a inegável influência que Cuarón demonstra possuir tanto de Spielberg quanto de Kubrick. E o diretor faz questão de demonstrar que, mesmo com o aspecto inerentemente popular da história, ele não é chegado a concessões dramáticas fáceis.

Visto no cinema em 17-JAN, Quarta-feira, sala 1 do Multiplex Pantanal - Texto postado por Kollision em 23-JAN-2007