Meio polivalente, Kevin Smith é, além de diretor, também roteirista e escritor de HQs, para quem não sabe. O cara é o mais pop de todos os novos diretores da década de 90 quase unamimemente considerados talentosos. Procura-se Amy é uma prova dessa afirmação. Apesar de ter vários momentos engraçados, o filme não pode ser simplesmente enquadrado como comédia. A linguagem afiada e os diálogos carregados de conotações sexuais do dia-a-dia aparecem como recheio de um romance não convencional, cuja coesão varia bastante durante toda a película. Mais ou menos como as situações na vida real, daí o porquê do filme funcionar. Decididamente não com todos os tipos de platéia, mas funciona.
Smith usa as HQs, uma de suas paixões, como pano de fundo para o relacionamento entre o desenhista/escritor Holden (Ben Affleck) com a também escritora de quadrinhos Alyssa (Joey Lauren Adams). Os dois se encontram numa das inúmeras convenções do meio, coalhada de fãs estereotipados e apregoada por referências bacanas a esse universo. O que o rapaz apaixonado nem imagina, e vem a descobrir de forma bastante constrangedora, é que a bela moça é lésbica. Mesmo bombardeado pelos protestos de seu melhor amigo e parceiro ilustrador Banky (Jason Lee), Holden não resiste em dar vazão ao seu desejo pela moça, tentando conquistá-la apesar da subversão quase intransponível das regras sexuais em seu relacionamento com Alyssa. Até mesmo Jay e Silent Bob (Jason Mewes e o próprio diretor Smith), recorrentes de vários outros filmes do cineasta, fazem uma aparição especial para ajudar o perdido Holden.
O que ajudou a pavimentar a carreira de Smith como um diretor antenado com a cultura jovem atual é a linguagem franca com que os dilemas e situações corriqueiros da situação do protagonista Holden são retratados. Nem a voz a princípio esganiçada de Joey Lauren Adams estraga a sensação de fascínio que ele sente por ela (e a platéia generosamente compartilha), numa história que poderia até ter sido um pouco mais curta. A moça vira as vidas dos dois amigos de pernas para o ar sem nem mesmo fazer força, apenas por ser como é. Kevin Smith é esperto o suficiente para mudar o tom de seu roteiro, e por conseguinte dos personagens, assim que os desnorteados quadrinistas chegam a um ponto de ruptura provocado pelo furacão que é Alyssa. O que rende diálogos incrivelmente mundanos e ao mesmo tempo marcantes.
Se há uma coisa que soa forçada é a deixa para justificar o título meio enigmático do filme, protagonizada pelo calado Silent Bob num de seus raros acessos verborrágicos. Não à toa, trata-se do principal ponto de inflexão da história. Que não tem cenas de sexo ou sequer uma reles nudez, mas transpira conteúdo sexual. Todo o elenco principal está relativamente bem, mas quem responde por algumas das partes mais engraçadas é Dwight Ewell como o quadrinista negro e homossexual que aparenta ser algo completamente diferente diante dos fãs de suas revistas.
Na seção de extras há especiais curtos de making-of e bastidores, mini-biografias do diretor e do elenco, inúmeras cenas cortadas com introdução de Kevin Smith e vários membros de sua equipe, o videoclipe de Have You Seen Mary do Sponge, trailer do filme e também de Um Homem de Família, A Encomenda, Sociedade Secreta e Outono em Nova York.
Texto postado por Kollision em 26/Dezembro/2005