A fim de personificar o escritor Truman Capote neste filme, Philip Seymour Hoffman perdeu quase 20 quilos, num esforço de preparação que não é nenhuma novidade em se tratando de atores talentosos interpretando grandes papéis. Para falar a verdade, isso nem mesmo chega a ser percebido na tela. O que mais chama a atenção, e isso sim se deve à sua excelente performance, é o modo como Hoffman nos mostra um homem que muita gente conhece apenas pelo nome, cujo comportamento era bastante não-convencional e cujo trabalho sofreu um grande trauma quando da publicação de sua obra-prima, o romance de não-ficção A Sangue Frio, de 1966. Foi o último e mais importante livro de sua carreira como escritor, descontando-se alguns contos esparsos publicados nas décadas seguintes, até a sua morte, em 1984.
Num trabalho biográfico condensado e intenso, Capote é o relato da pesquisa empreendida pelo escritor durante quatro anos, assim que lhe chega a notícia de que uma família rural de quatro pessoas, na pequena cidade de Holcomb, em Kansas, fôra brutalmente assassinada durante a noite. Disposto a escrever sobre o fato, e usando sua já estabelecida fama no meio literário, ele convence o jornal em que trabalha em Nova York a financiar sua ida à cidade acompanhado da amiga e também escritora Harper Lee (Catherine Keener) para conduzir entrevistas com os envolvidos, principalmente com os dois culpados que não tardam a serem capturados. Percebendo que o material em mãos é uma fonte inestimável para um livro, Capote vai mais fundo em sua investigação e estabelece um contato duradouro com Perry Smith (Clifton Collins Jr.), um dos condenados pelo crime. À medida em que o destino final dos assassinos se aproxima, cresce o desespero do escritor em obter deles a verdade acerca da fatídica noite dos assassinatos.
Este primeiro longa de ficção do diretor Bennett Miller, que traz no currículo pregresso somente um documentário, é um belo filme que se apresenta dentro de uma roupagem atraente, atenta aos detalhes e bastante valorizada pelo excepcional trabalho de Philip Seymour Hoffman. O cara simplesmente se transforma em Truman Capote, incorporando seus conhecidos maneirismos com extrema naturalidade, desde a voz infantil até os trejeitos afeminados, incluindo aí sua arraigada persona de habilidoso entrepreneur em eventos sociais. Confesso que, à primeira vista, as falas do personagem causam um certo desconforto, quase tendendo para uma demasiada e irritante afetação. Assim que a narrativa toma forma, no entanto, a personalidade de Capote se assenta no molde de um homem obcecado por uma história, paciente em suas investidas e nada escrupuloso em suas mentiras, tudo para extrair com a maior veracidade possível a verdade de seus amigos assassinos.
Há um bônus na história, que com certeza advém do desejo do roteiro em transmitir a ambigüidade moral pela qual passou o escritor no processo de criação de seu livro. Estou me referindo ao libelo contra a pena de morte, relaxadamente disfarçado por meio da caracterização do assassino Perry Smith. O roteiro claramente o humaniza, tentando de todas as formas suscitar na audiência a idéia de que a pena de morte é algo hediondo, e que ninguém, nem mesmo confessos assassinos frios e calculistas a merecem. Um pouco incômoda também é a sugestão de que algo mais possa ter surgido entre Capote e Smith, durante o longo período em que o escritor o visitou e o amparou na prisão. Nesse ponto o filme é bastante polido, nem mesmo entrando em detalhes sobre a convivência homossexual de Capote e seu companheiro na época, vivido por Bruce Greenwood.
O ritmo do filme é um pouco prejudicado pela série de encontros e conversas entre Capote e Smith na prisão. De resto, a história se mostra muitas vezes reveladora e pontuada por momentos de certa tensão. Ainda bem que, por qualquer lado que se olhe, o comportamento do escritor diante de sua missão condiz com o que se é esperado do ser humano ao ser confrontado, mesmo conscientemente, com o horror que a própria humanidade é capaz de perpetrar.
Texto postado por Kollision em 16/Abril/2006