Diretor de poucos filmes, o mexicano Juan López Moctezuma viu suas obras da década de 70 ascenderem a exemplares cult do cinema de horror marginal, do qual fazem parte também nomes como Jesus Franco, Lucio Fulci e o brasileiro José Mojica Marins. Alucarda é o mais famoso de seus filmes, seja pelo seu conteúdo profano ou pela associação infundada de seu título (Drácula escrito ao contrário e transformado em feminino) à idéia de um trabalho vampírico, o que é um engano.
Alucarda (Tina Romero) é uma jovem que foi deixada pela mãe ainda bebê num convento, aparentemente para escapar de uma sina trágica já anunciada no momento de seu nascimento. A chegada de Justine (Susana Kamini), outra adolescente que acaba de perder os pais, é o gatilho para que a índole rebelde e herética de Alucarda venha à tona. As moças se tornam amigas inseparáveis, e juntas perambulam pelos arredores do convento até encontrarem um estábulo com um caixão. A experiência, associada às palavras enigmáticas de um cigano (Claudio Brook), despertam o lado demoníaco de Alucarda, que arrasta Justine para um turbilhão de devassidão, sangue e orgias comandadas pelo próprio demônio. As únicas pessoas capazes de se opor à loucura da jovem são uma freira protetora (Tina French) e o médico que atende o convento (de novo Claudio Brook).
Visualmente, Moctezuma faz de seu filme uma alegoria de cunho gótico-expressionista que tira água de pedra da produção de valores modestos, com escolhas interessantes e tudo aquilo que se espera de um clássico do exploitation: muita nudez feminina, uma pitada de sexo simulado, sangue, e um senso apurado de ousadia na representação da possessão demoníaca. No final das contas, é esse o cerne do filme, que em nenhum momento envereda pelo vampirismo. Alucarda é uma jovem bonita e inquieta, que palpita desconforto, transborda desconfiança e se deixa levar por rompantes de heresia e sadismo que ganham vida através de imagens profanas e uma gama demoníaca de sentenças e sons. Ela se veste somente de preto, em contraste visual direto com as vestimentas de suas colegas e das freiras, que são morbidamente envolvidas em bandagens que lhes dão um aspecto original de larvas humanas e múmias.
Fica difícil situar a história temporalmente, o que só pode mesmo ser feito quando entra em cena a figura racional do médico interpretado por Claudio Brook. Os eventos podem tanto se passar em algum ponto na virada do século XIX para o século XX quanto na própria década de 70, em lugares ermos com cultura arcaica e deliciosamente propícia à idéia do sobrenatural. A ambientação da história num convento faz com que o filme resvale no sub-gênero do nunsploitation, a vertente que transforma freiras no centro dos abusos dos mais inomináveis delírios terro-eróticos. O lesbianismo subjacente, apesar de bastante encorajado pelo roteiro, é engolido pelo fanatismo religioso que acaba por separar Justine e Alucarda e desencadear uma revolta demoníaca que encontra ecos em filmes de maior distribuição e apelo comercial feitos depois dele, como Carrie - A Estranha (Brian De Palma, 1976). Seminal no sub-gênero da possessão e do exorcismo, a obra de Moctezuma permanece viva como um dos pilares de um estilo ousado e "caliente" de se fazer horror. La hija de las tinieblas é, e sempre será, uma das maiores e menos conhecidas criações malditas do gênero.
O DVD da Singa Home Entertainment é simplesmente uma vergonha, pois divide o filme em três partes e não traz um extra sequer. Uma escolha muito melhor para a aquisição de Alucarda é com certeza a caprichada edição lançada pela distribuidora Mondo Macabro.
Texto postado por Kollision em 28/Julho/2006