Quase Famosos é a epítome do filme de ficção auto-biográfico feito a partir do maior entusiasmo que alguém é capaz de vivenciar. Este entusiasmo corresponde, obviamente, à efervescência da adolescência. Em nenhum outro momento na vida os impulsos são tão genuínos, as experiências tão significativas e as decepções tão amargas. Como fica bastante claro pelo seu histórico, o diretor Cameron Crowe era um prodígio das letras, um moleque que aos 16 anos iniciava uma carreira invejada por muitos escritores que, assim como ele, viveram e amaram o rock'n'roll na década de 70. Evoluindo vinte anos mais tarde para um diretor versátil e talentoso, Crowe viria a dar duas tacadas certeiras com o livro e o filme sobre esse período de sua vida, uma verdadeira ode à música e ao lifestyle dos astros do mundo do rock.
A história do filme é contada sob o ponto de vista do jovem William Miller (Patrick Fugit), um adolescente de 15 anos cujo único amigo é Lester Bangs (Philip Seymour Hoffman), o editor e mordaz crítico de música da revista Creem. Talentoso, o rapaz acaba sendo convocado pela revista Rolling Stone para escrever uma matéria sobre a emergente banda de rock Stillwater, inclusive viajando com eles em sua turnê através do país. Meio que aos trancos e barrancos, o garoto vai conseguindo angariar boas histórias e a simpatia do guitarrista e líder da banda Russell (Billy Crudup) e do vocalista Jeff Bebe (Jason Lee). No caminho, ele se apaixona perdidamente pela espevitada Penny Lane (Kate Hudson), uma groupie que acompanha a banda e é, por acaso, uma espécie de namorada-amante de Russell. Quem não gosta nada dessa história do moleque cair na estrada é sua mãe (Frances McDormand), que não vê a hora dele voltar para casa e se formar na escola.
Todo este filme é extremamente prazeroso de se ver, num trabalho de cunho pessoal com um inestimável aspecto pop, que retrata a sensação de descoberta e deslumbramento com uma cumplicidade que cativa e enternece. Patrick Fugit está perfeito como o jovem e esperançoso William Miller, assim como estão extremamente bem todos os personagens principais deste drama musical regado (levemente) a sexo, drogas e (pesadamente) rock'n'roll. Jason Lee e Billy Crudup ensaiam uma parceria meio explosiva à la Jagger e Richards, ou Lennon e McCartney. Além da trilha sonora, a mística, o estilo e o comportamento por trás da banda fictícia também bebem das principais bandas da década de 70, mas principalmente do Led Zepellin.
Sendo um entretenimento de qualidade irrepreensível, engraçado e envolvente, Quase Famosos é garantia de diversão tanto na versão de cinema quanto na versão do diretor, denominada Untitled, com 40 minutos a mais e devidamente incluída nos DVDs duplos do longa. Há algo a se considerar, no entanto, em relação às personagens femininas do filme, que tenta de todas as formas possíveis atenuar e romantizar as trajetórias das groupies ou band aids, que em determinado momento são definidas como acompanhantes fanáticas e uma espécie de apoio moral das bandas em suas turnês. Se é que me entendem, todo mundo sabe que tipo de apoio essas garotas prestam aos astros de rock... Somente levando-se em consideração a inocência do personagem central e sua perspectiva diante do mundo é que é possível aceitar o modo como Kate Hudson e cia. são fotografadas. Ela, por sinal, entrou definitivamente no circuito de atrizes badaladas após esse trabalho. E corresponde cena por cena à aura de destruidora de corações a ela atribuída.
O que fica bastante claro após uma sessão do filme é o fato de que a descoberta da sexualidade e a entrada na vida adulta jamais serão um assunto morno para qualquer diretor e escritor de talento, como demonstra o senhor Cameron Crowe da era pré-Vanilla Sky.
O primeiro disco do DVD duplo vem com a versão de cinema do filme, três cenas excluídas/estendidas, biografias de todos os membros da equipe técnica e do elenco, notas de produção, trailer e reproduções de vários artigos publicados por Cameron Crowe na revista Rolling Stone. No segundo DVD é possível assistir ao filme em sua versão estendida, além de conferir 9 minutos de cenas de bastidores e ensaios, a lista dos discos preferidos do diretor em 1973 e uma entrevista curta de 2 minutos com o verdadeiro Lester Bangs, onde o cara desce o sarrafo sem dó nem piedade em bandas como o Roxy Music e Emerson, Lake & Palmer. Infelizmente para os non-English speakers, nenhum dos extras é legendado.
Texto postado por Kollision em 10/Março/2006