Arthur C. Clarke, além de um cientista extraordinário, foi sobretudo um dos maiores escritores de ficção científica do século XX. Sua maior contribuição para esta arte pode ter sido muito bem uma das maiores para a história do cinema. Trata-se de seu trabalho com o cineasta Stanley Kubrick, que rendeu tanto o filme quanto o livro de 2001: Uma Odisséia no Espaço no final da década de 60. Clarke viria a revisitar o universo concebido neste livro ao escrever uma seqüência, 2010: Odyssey Two, lançada em 1982 e levada às telas sob o comando do diretor Peter Hyams em 1984, novamente com a contínua colaboração do autor.
Oferecer algumas respostas para os mistérios levantados ao final de 2001 era, com toda a certeza, a maior expectativa criada após o anúncio de que a história do astronauta Dave Bowman teria uma seqüência. Nela, o personagem central passa a ser o dr. Heywood Floyd (Roy Scheider, em papel que no original fôra feito por William Sylvester), que é convencido por cientistas russos a embarcar numa missão de reconhecimento a bordo da espaçonave Leonov, destinada a investigar o que de fato ocorrera com a Discovery nove anos atrás. Floyd embarca com os russos acompanhado do engenheiro-chefe da Discovery (John Lithgow) e do projetista (Bob Balaban) do supercomputador HAL 9000, mesmo com a crescente tensão bélica entre os EUA e a União Soviética, que inevitavelmente virá a ter influência mesmo no espaço sideral.
Com a presença de Clarke no circuito criativo, não seria possível para os imediatistas de plantão crucificar o projeto da continuação do maior filme de ficção científica de todos os tempos. Peter Hyams podia não ser nenhum Stanley Kubrick, mas trazia no currículo boas realizações no gênero, e foi capaz de estabelecer uma simbiose acertada com Clarke, o pai original da criança. O resultado foi um filme com clima diferente do original, com mais diálogos, dotado de uma tensão política com desdobramentos interessantes (ainda que hoje datada), e marcado pela extraordinária sensação de antecipação provocada pelo sensacional desfecho da história anterior. Não é melhor que a obra de Kubrick, mas respeita a sua atmosfera e dá continuidade ao conceito original com considerável reverência, num sólido trabalho de ficção científica.
O tratamento dado ao monolito negro e sua presença no nosso sistema solar alia fenômenos físicos e, como era de se esperar, pelo menos para mim, a ascensão do personagem de Dave Bowman (Keir Dullea) a um patamar superior de existência, marcado por eventos de cunho metafísico que mudam para sempre o rumo da história da humanidade. É ficção científica visionária e ambiciosa, que procura dar um sentido (dentre milhares de outros possíveis) tanto às dúvidas sobre a existência de inteligência extra-terrestre quanto ao eterno questionamento acerca de nosso lugar no universo. Obviamente, muitas dúvidas permanecerão, mas pelo menos algo poderá ser divisado acerca do destino de Bowman, de HAL 9000 e da espaçovane Discovery. O desfecho da trama tem sabor de início, acompanhado por uma conotação historicamente adequada na mensagem final, ainda que esta seja algo oportunista como uma apologia à paz.
A expectativa em torno do universo pós-2010 gira em torno da adaptação cinematográfica do terceiro livro de Clarke sobre o tema, lançado em 1998 e intitulado 3001: The Final Odyssey. Que diretor terá colhões para colocar as mãos em algo de tamanho vulto desta vez?
A edição em DVD de 2010 é triste. Completamente desprovida de extras, vem só com o filme.
Texto postado por Kollision em 12/Fevereiro/2006