Ainda não foi possível manter a média de um filme por dia, o que é virtualmente impossível nos dias de hoje. Assisti no mês de novembro a 18 produções variadas, sendo a mais antiga de 1953. E foi nessa era áurea do cinema, em que o profissionalismo no ramo começava a produzir em maior número algumas das mais significativas obras-primas de todos os tempos, que surgiu a antítese do gênio cinematográfico: Edward D. Wood Jr.
Terminei o mês sabendo muito mais sobre aquele que já foi considerado o pior diretor de todos os tempos. Fiz todo o aprendizado básico que estava disponível a um cinéfilo em terras tupiniquins. A caixa da Continental, com os 4 filmes mais famosos de Wood, e a obra-prima Ed Wood (Tim Burton, 1994) selaram uma das mais interessantes maratonas que já fiz. Do quase indescritível Glen ou Glenda (1953), passando pelo tenebroso A Face do Crime (1954) e pela emulação dos filmes clássicos de monstros A Noiva do Monstro (1956), até Plano 9 do Espaço Sideral (1959), injustamente rotulado de pior filme de todos os tempos, assisti a todas as cenas com um assombro cada vez maior. O choque inicial passou rápido, e tive ainda o bônus de saber como terminou a vida do ícone do cinema de horror Bela Lugosi. Senti até calafrios na espinha em todas as três vezes que a trilha sonora de Howard Shore para Ed Wood trazia de volta a música da abertura do clássico Drácula, de 1931, fazendo fundo à magnífica interpretação de Martin Landau.
Outro filme sobre a vida de uma personalidade famosa que assisti foi De-Lovely - Vida e Amores de Cole Porter (Irwin Winkler, 2004). Pode até ser considerado uma surpresa, pela ousadia com que artistas contemporâneos interpretam composições de Porter e pela presença radiante de Ashley Judd. Incluído na grade da 28a. Mostra Internacional de São Paulo, foi um dos três longas que consegui assistir enquanto estive por lá. O drama Esther (Amos Gitai, 1986) foi o segundo. Tosco e sujo, mas com uma mensagem final desconcertante. O último foi a ficção água-com-acúcar Vácuo (Thomas Grampp, 2004), cuja sinopse cria uma expectativa danada, mas cujo conteúdo revira o estômago de tão ruim. Falando em ficção científica, um gênero que vira e mexe consegue entregar filmes que aliam o fantástico à comédia, Viagem Insólita (Joe Dante, 1987) ainda mantém o charme oitentista e diverte bastante, principalmente pela presença hilária de Martin Short.
Finalmente pude assistir ao blockbuster tão massacrado pela crítica chamado Pearl Harbor (Michael Bay, 2001). Há tempos vinha tentando vê-lo, e finalmente consegui. O filme só não é um desastre total devido à pirotecnia das cenas de batalha, e ajuda a confirmar a minha opinião a respeito de Ben Affleck, que a única coisa que ele pode fazer em cinema são mesmo as comédias de Kevin Smith. Eis a prova definitiva de que tamanho não é documento em se tratando de cinema: enquanto Pearl Harbor bate na casa das três horas de duração sem entregar muita coisa útil, basta pouco mais de uma hora para Joel Schumacher construir uma pequena pérola moderna do suspense em Por um Fio (2002), longa rápido carregado de uma tensão absurda. Precisa ser visto por todos, não percam tempo.
As comédias marcaram presença em vários sub-estilos diferentes. Encerrei a extensa maratona da Coleção Chaplin com Um Rei em Nova York (1957), filme irregular mas ainda assim interessante, e The Chaplin Revue, coletânea de curtas charmosíssima e prazerosa de se assistir. Adotando a mesma linha seguida por Chaplin, Roberto Benigni faz de seu A Vida É Bela (1997) uma fábula encantadora sobre a capacidade do ser humano em fazer o bem, mesmo sob as piores circunstâncias possíveis.
O nacional A Partilha (Daniel Filho, 2001) surpreendeu-me pela leveza e por situações cômicas que realmente funcionam na tela grande. Em Caindo na Real (1994), o comediante Ben Stiller deixa transparecer a inexperiência de dirigir o seu primeiro longa e investe numa história carente de alma, mas com bons momentos perto do final. As comédias adolescentes ganharam uma adição razoável com Show de Vizinha (Luke Greenfield, 2004), palhaçada atípica, porém interessante. E as estrelas de dois ícones do cinema moderno, Diane Keaton e Jack Nicholson, brilham como nunca em Alguém Tem que Ceder (Nancy Meyers, 2003).
O destaque de trilha sonora vai, naturalmente, para o musical De-Lovely. Mas Caindo na Real e Show de Vizinha também estão recheados de músicas bacanas. A trilha instrumental de Nicola Piovani para A Vida É Bela é ótima. Um desprazer que tive foi ter que agüentar a pior trilha que já ouvi em toda a minha vida, coincidentemente fazendo parte do que pode ser também o pior filme que já assisti: A Face do Crime, lixo abissal perpetrado por Ed Wood. Não há palavras para descrever a indecência cometida nesta "obra".
Texto postado por Kollision em 2/Dezembro/2004