Ser escritor ou escritora com certeza já passou pela cabeça de muita gente. De uma simples aspiração, às vezes o desejo de contar uma história não chega a passar de breves anotações em diários. Viver disso é ainda mais difícil, e consiste numa carreira tão imprevisível quanto recompensadora. Garotos Incríveis é um dos filmes que se enquadram na categoria de 'obras sobre uma profissão', mais precisamente a profissão de escritor. É um retrato singular do encontro entre gerações de contadores de histórias, eles próprios imersos em acontecimentos tão ou mais únicos que aqueles que descreveriam em seus livros.
Michael Douglas é o professor de inglês Grady Tripp, chegado em fumar uma erva e escritor de um único sucesso que há anos não consegue terminar seu segundo romance. Um congresso de escritores é realizado durante o fim de semana em sua cidade, e ele não consegue evitar a visita de seu editor (Robert Downey Jr.), ansioso para pôr logo as mãos no novo livro. Abandonado pela esposa e em crise com a amante (Frances McDormand, que é também a mulher de seu chefe), Grady decide ajudar um jovem de sua classe de inglês, o problemático James Leer (Tobey Maguire), a sair um pouco de sua rotina solitária e deprimente. O rapaz, também um escritor de talento, acaba causando a maior confusão na casa dos anfitriões da festa, o que resulta numa série de eventos que fará seu professor reavaliar seus objetivos de vida enquanto tenta ajudar o aluno.
A paixão pela escrita e a relação entre aluno e mestre, que muitas vezes trilha uma tênue linha entre a admiração e o escárnio, são os principais ingredientes de uma história que tenta primar pela imprevisibilidade. Com elenco de primeira, o roteiro destila passagens de humor negro com maestria, apesar de alguns furos muito evidentes e de uma ou outra cena forçada. Afinal, como o casaco do reitor foi parar na mochila do jovem Leer, perdida na faculdade, enquanto ele e seu professor tentam se livrar de um cão morto e acabam se drogando com a farmácia particular do editor chegado num travesti? Outro ponto interessante é a presença da arma nas mãos do rapaz, sem a seguir haver explicação alguma do que ele pretendia fazer com ela. Nem mesmo a personalidade propositalmente conflitante do personagem poderia explicar isso. Infelizmente, estas são as falhas que mais desvalorizam o roteiro.
Katie Holmes (que também trabalhara com Tobey Maguire em outro drama envolvendo adolescentes, o melhor e mais bem amarrado Tempestade de Gelo, de Ang Lee) é desperdiçada como uma jovem fascinada pelo professor, e cuja relação com Leer jamais chega a ser explicada direito. Papel completamente descartável, assim como o travesti que Robert Downey Jr. carrega a tira-colo e some sem mais nem menos. Aliás, as intenções do editor nunca ficam claras, e nem mesmo Tobey Maguire escapa de sua influência dentro da história. Michael Douglas está ótimo como o mestre relutante, aprisionado em seu próprio livro e ansioso por ajudar o pupilo, mesmo parecendo perdido demais durante todo o trecho intermediário do filme. Douglas encabeça o elenco carismático que compõe a maior força de Garotos Incríveis, sustentando bem algo que saiu mais sem pé nem cabeça do que deveria. Um pouquinho mais de coerência e um grau a menos de mistério nas vidas de cada personagem teriam sido melhores para este trabalho menor do diretor Custis Hanson, o responsável pela obra-prima policial Los Angeles - Cidade Proibida (1997).
Como curiosidade, o filme ganhou o Oscar de melhor canção por Things Have Changed, de Bob Dylan. O videoclipe da música (também dirigido por Curtis Hanson) aparece na seção de extras do DVD, assim como algumas observações particulares do diretor sobre Dylan e outros nomes que fazem parte da trilha sonora do filme. Hanson ainda fala um pouco sobre as locações utilizadas na película, que foi toda rodada na cidade de Pittsburgh. Completam a seção de extras o trailer e um especial de 11 minutos com uma seleção de entrevistas do elenco e do diretor.
Texto postado por Kollision em 16/Fevereiro/2005