Cinema

V de Vingança

V de Vingança
Título original: V for Vendetta
Ano: 2006
País: Alemanha, Estados Unidos
Duração: 132 min.
Gênero: Ficção Científica
Diretor: James McTeigue (Ninja Assassino, O Corvo [2012])
Trilha Sonora: Dario Marianelli (O Retorno, Mandela - Luta pela Liberdade, Comer Amar Rezar)
Elenco: Natalie Portman, Hugo Weaving, Stephen Rea, Stephen Fry, John Hurt, Tim Pigott-Smith, Rupert Graves, Roger Allam, Ben Miles, Sinéad Cusack, Natasha Wightman, John Standing, Clive Ashborn
Avaliação: 8

O fértil campo das histórias em quadrinhos jamais será fonte pueril de material para o cinema, como comprova esta versão da HQ escrita pelo papa Alan Moore na década de 80. Ainda que possa ser considerado um gênio, Moore também é um grande mala, já que execrou também este trabalho, exigindo que seu nome sequer fosse mencionado nos créditos. O que é uma pena. A DC Comics, que não é boba nem nada e detinha os direitos da revista, que estava programada para ser uma série mas foi encerrada e devidamente finalizada por seu criador algum tempo depois, deu todas as cartas para que os irmãos Wachowski (Matrix) adaptassem e produzissem V de Vingança. Os caras, já satisfeitos em terem o roteiro e a produção nas mãos, passaram o bastão para um de seus assistentes, o estreante na direção James McTeigue.

Na Inglaterra de um futuro não muito distante, um regime fascista foi implantado e é comandado por mão de ferro pelo chanceler Adam Sutler (John Hurt). A liberdade de expressão é algo que não existe, e os desajustados e homossexuais são caçados e punidos impiedosamente. Em meio a uma atmosfera quase surreal de tão opressiva, surge um mascarado de capa que, no dia 5 de novembro, explode uma das sedes do parlamento inglês e conclama a população a estar presente no mesmo dia do ano seguinte para presenciar a destruição da outra sede do parlamento. Neste mesmo dia, "V" (Hugo Weaving) salva a jovem Evey Hammond (Natalie Portman) de ser atacada e estuprada por guardas do governo, colocando-a sob sua proteção e lentamente tentando abrir seus olhos para a realidade deturpada em que ela viveu durante os últimos anos. Em seu encalço surge o policial Finch (Stephen Rea), uma marionete do governo que no entanto pode estar prestes a conhecer de toda a verdade graças às ações de V.

V de Vingança é o típico filme que ganha o respeito do espectador à medida em que se aproxima de seu desfecho. A idéia de um futuro que concorre com muitos outros como a provável linha temporal para a qual nossa realidade converge é atraente por si só, mas o filme não se preocupa em acachapar logo de cara, nem em estabelecer uma ambientação discrepante demais da realidade atual. A maior diferença consiste também na maior alteração em relação ao material original de Alan Moore: os Estados Unidos são uma nação decadente que foi vítima de sua própria política militar, onde milhares vivem em situação desesperadora e são completamente ignorados pelo resto do mundo. Só para se ter uma idéia, o conceito original envolvia a hecatombe nuclear decorrente do conflito entre EUA e União Soviética, o que na época da publicação da HQ era uma preocupação mundial primordial. Porém, não é só a ascensão de uma ditadura fascista na Inglaterra que cria o ambiente favorável para o surgimento do terrorista V. Seus motivos são bem mais pessoais, e envolvem vários dos mais importantes asseclas do todo-poderoso, hitleriano chanceler personificado por John Hurt. Fica então a pergunta: a queda do regime seria então um bônus de seus atos, ou seria seu intento original o nobre desejo de libertar o povo dos grilhões da opressão?

Guy Fawkes - soldado inglês preso em 5 de novembro de 1605 ao ser descoberto liderando uma rebelião para tentar explodir as casas do parlamento inglês, então dominado pela corrupção - é quem responde pela inspiração de Alan Moore ao compor o personagem principal de sua história. Há uma reconstituição de relance deste evento no início do filme, que não chega a entrar em detalhes sobre como o revolucionário foi executado no ano seguinte à sua captura. A máscara que V usa é baseada em seu rosto, e todo seu plano de ação, e até mesmo seus colóquios, derivam da mística surgida em torno de Fawkes, uma figura que marcou a cultura inglesa de tal forma que sua influência engloba desde várias vertentes da literatura até a etimologia de sua própria língua pátria (a palavra "guy" teria surgido a partir de seu nome). V seria tão somente Fawkes, ou suas idéias, reencarnado num homem destituído de medo, uma vítima criada a partir das próprias entranhas do sistema, capaz de ir além de qualquer limite para concretizar seu objetivo purificador.

Quando V reconhece este mesmo potencial de realização em outra pessoa, Evey, ele decide educá-la de forma a alinhar o modo de pensar da moça com o seu, de uma maneira que chega a ser brutal. Seus métodos não estão muito distantes dos métodos de um terrorista comum, mas o que mais incomoda no roteiro dos irmãos Wachowski é a ausência de oposição ao seu plano mirabolante, que praticamente exclui qualquer resquício de inteligência por parte das "forças do mal", por assim dizer. O vingador mascarado evolui rapidamente para uma espécie de lenda urbana (mais ou menos como o Batman), mas sabe que sua missão terá um fim. Seu passado é pincelado de forma arbitrariamente confusa, com um tratamento misterioso que tem ao menos a decência de não se render a caprichos de marketing (leia-se a tentação de mostrar o rosto de Hugo Weaving no momento de maior carga dramática do filme). Dito isso, talvez a cena dos dominós formando o símbolo de V seja a única coisa realmente gratuita em toda a história.

Econômico na ação, que quando explode lembra alguns dos melhores momentos da trilogia Matrix, V de Vingança é um bom filme, que embeleza com um idealismo quase utópico os atos de um anti-herói difícil de ser categorizado, mas ao mesmo tempo dotado de uma aura que clama por (e facilmente consegue) identificação heróica.

Texto postado por Kollision em 24/Abril/2006