O fascínio mundial exercido por Hollywood, a meca das produções cinematográficas norte-americanas e principal local de concentração do cinema desde que ele se entende por arte, há muito tempo parece ter se perdido em meio a quantias exorbitantes de dinheiro, a interferências de estúdios ávidos por lucro e ao desaparecimento de boas histórias em detrimento geralmente de um bombardeio de imagens sem sentido. Muitos apregoam que a era áurea do cinema já passou, e que estamos todos condenados a assistir produções pasteurizadas, digitalizadas e retocadas a tal ponto que o trabalho dos atores e da equipe técnica nada representa (vide a manipulação digital que George Lucas fez com alguns personagens dos filmes recentes da série Star Wars).
Mesmo assim, a mágica persiste nas mãos de uma nova geração de competentes diretores. Nem sempre, porém, esta "mágica" é imaculada, o que nos faz lembrar que cinema é também, acima de tudo, um negócio. Milhares de profissionais chegam à Califórnia todos os anos aspirando por um lugar ao sol no mundo dos filmes. Gente que é capaz de fazer de tudo para conseguir uma chance de participar da "mágica". Gente que se corrompe em nome de algo em que acreditam, sem ao certo saber se o preço a pagar não é alto demais. O fato inegável é que, assim como em qualquer ramo profissional, o cinema tem lá sua carga de sordidez e sujeira que são empurradas para debaixo do pano de tempos em tempos.
Foi com esse tema que o diretor Billy Wilder surpreendeu a comunidade cinéfila logo no início da década de 50, ao levar às telas a história de uma estrela decadente em Crepúsculo dos Deuses. Gloria Swanson é Norma Desmond, diva esquecida do cinema mudo, que vive imersa num mundo fantasioso erguido como um castelo de cartas pelo seu austero mordomo (Erich Von Stroheim). O fracassado escritor Joe Gillis, interpretado por William Holden, acaba por um lance do destino se associando à ex-estrela, agarrando uma oportunidade que pode tirá-lo do buraco em que se meteu e ainda dar-lhe a chance que sempre sonhou em Hollywood. Norma acredita que seus dias de glória e seus fãs nunca a abandonaram, enquanto o escritor convertido em gigolô aproveita para subir alguns degraus profissionais, num relacionamento que pode vir a trazer graves conseqüências para ambos.
Numa época em que cinema era sinônimo de puro entretenimento, o lançamento de Crepúsculo dos Deuses foi contra essa tendência e ofereceu um relato deveras amargo de um meio que ainda não tinha recebido um retrato tão verdadeiro sobre si mesmo. O filme é repleto de passagens memoráveis, e é engrandecido pela participação inesquecível de Gloria Swanson (em um papel que fora recusado por Mae West e Mary Pickford, entre outras). Erich Von Stroheim, ele próprio um famoso diretor da era do cinema mudo, dirigiu a própria Swanson em alguns de seus filmes. A participação de Cecil B. DeMille como si mesmo, na seqüência em que Norma Desmond visita-o no set de Sansão e Dalila, dá um ar ainda mais trágico a uma história que encontra um paralelo até certo ponto incômodo com o elenco reunido, já que DeMille também dirigira Swanson no passado. O rostinho bonito de Nancy Olson, como a escritora que se interessa por Gillis, faz contraponto à cruel realidade retratada na película, quase como lembrando-nos da idéia de inocência que cerca o meio cinematográfico.
Crepúsculo dos Deuses tem uma história peculiar com relação a A Malvada, produzido no mesmo ano e dirigido por Joseph L. Mankiewicz. Enquanto A Malvada levou para casa 6 Oscars, incluindo o de melhor filme, a obra de Wilder amealhou somente 3 prêmios, incluindo aí o de melhor trilha sonora para Franz Waxman. Pessoalmente, acredito que a academia fez justiça e concedeu o prêmio ao melhor dos dois filmes. Apesar disso, sendo ambos excelentes dramas sobre o show business (até mesmo possuindo estrutura parecida), as duas obras merecem figurar com toda a certeza no panteão de marcos cinematográficos de todos os tempos.
Os principais extras da edição especial do DVD da Paramount são um making-of de 25 minutos e outros dois especiais de 15 min. cada, o primeiro sobre a figurinista Edith Head e o segundo sobre o compositor Franz Waxman, com a participação mais que bem-vinda de Elmer Bernstein. Há ainda trailer, três galerias de fotos, detalhes sobre os locais de filmagem e o trecho de roteiro que traz o prólogo do necrotério, descartado por Wilder após exibições-teste e acompanhado aqui por algumas cenas correspondentes excluídas.
Texto postado por Kollision em 25/Dezembro/2004