Para um filme que se auto-intitula "uma fábula do rock'n'roll", Ruas de Fogo captura com excelência o aspecto superficial, mesmerizante e aventureiro das fantasias adolescentes transportadas para um universo onde tudo é possível, onde heróis e vilões têm um papel muito bem definido no conflito e onde tudo termina conforme deve terminar. Trata-se de um pequeno clássico dos bons filmes descartáveis da década de 80, num trabalho que vem embalado numa trilha sonora soberbamente sintonizada com sua época.
Outro tempo, outro lugar. Para falar a verdade, numa mistura da cultura dos anos 50 com alguma coisa de pós-apocalíptico numa cidade que não é outra senão Chicago. Durante uma de suas apresentações naquela que é também sua cidade natal, a estrela do rock Ellen Aim (Diane Lane) é seqüestrada pelo líder da gangue dos Corvos (Willem Dafoe). Uma fã preocupada (Deborah Van Valkenburgh), acreditando que o único capaz de resgatá-la é o seu irmão e antiga paixão da cantora Tom Cody (Michael Paré), envia uma mensagem para que ele volte para casa. De início contrariado, o insensível e metido a durão Cody une suas forças por dinheiro com uma amiga desgarrada (Amy Madigan) e com o empresário e atual namorado de Ellen (Rick Moranis) para invadir o bairro dos Corvos e resgatar a estrela do rock.
Engana-se quem acredita que o filme é um musical com brigas e explosões, como o material de divulgação da época equivocadamente fazia crer. A música quase nunca pára, mas não se infiltra nos diálogos em nenhum momento, e engloba tanto o rock'n'roll embalante feito sob encomenda quanto a bacana trilha incidental de Ry Cooder, colaborador habitual de Walter Hill. Talvez um dos diretores de sua geração mais obcecados com a estética do caos e da violência urbana, Hill "pega leve" em seu filme, ainda que não deixe de aplicar seu estilo característico à narrativa. O elenco traz alguns nomes que seriam catapultados à fama algum tempo depois, como Willem Dafoe (pálida e vampiricamente caracterizado como um psicodélico líder de gangue), a bonitinha e ordinária Diane Lane (que seria até mesmo indicada ao Oscar de melhor atriz pelo recente Infidelidade) e o nanico Rick Moranis (cujo mais famoso papel é o do professor que encolheu os filhos em Querida, Encolhi as Crianças). A latente falta de carisma do protagonista Michael Paré não era à toa, como demonstra sua carreira posterior rumo ao ostracismo.
Em Ruas de Fogo, no entanto, todos eles dão certo em seus respectivos papéis. Qualquer análise rasteira diria que não há nada neste filme além de vento. O que é bem verdade, se levarmos tudo ao pé da letra quando o assunto é o roteiro chinfrim. O charme do filme, no entanto, está em outro lugar, e transparece na música, na ambientação e nos cenários utilizados por Walter Hill para compor seu conto atemporal. Como dito logo nos créditos de abertura, a história pretende ser uma fábula e, como tal, estabelece desde já o tom escapista e juvenil que norteia todo o seu desenvolvimento, entregando logo de cara que o filme não deve ser levado a sério para ser apreciado. O apelo de seus personagens era universal dentro da cultura juvenil da década de 80, e não é preciso ir muito longe para constatar que ainda hoje o arquétipo do herói relutante e do valentão que só deseja tirar uma casquinha da garota mais popular do pedaço ainda fazem parte das aspirações e da rotina de todo adolescente. A motivação dos personagens unidimensionais de Ruas de Fogo é simples assim, da mesma forma que seu apelo barato, fugaz e ainda assim deliciosamente convidativo.
A edição em DVD da Universal é completamente desprovida de extras.
Texto postado por Kollision em 14/Maio/2006