Não há palavras capazes de descrever com exatidão o conteúdo do longa-metragem nascido da série South Park, uma animação de traços toscos veiculada sempre com extremo sucesso pela MTV. A anarquia é tanta, o escracho é tão exagerado e a sátira é tão escancarada que até mesmo o mais anárquico, boca-suja e largado dos desocupados de plantão com certeza fica sem palavras diante de pelo menos a primeira meia hora do bombardeio de palavrões e obscenidades. Uma coisa é certa: o 'maior e melhor' do título foi seguido à risca, elevando o escárnio da série a níveis estapafúrdios. Basta dizer que, perto deste filme, os episódios da televisão estão mais para os contos mais inocentes da família Dó-Ré-Mi.
Para quem não sabe, South Park é uma cidadezinha que fica em algum lugar qualquer nos EUA. Nela vivem os quatro personagens principais, os garotos Kyle, Stan, Cartman e Kenny, representações máximas da deturpação da inocência infantil a serviço da anarquia. O estopim para o maior conflito de South Park é o novo filme da dupla besteirol canadense Terrance & Phillip, simplesmente intitulado "Asses of Fire" (algo como 'Bundas de/em Fogo'). Os adultos, principalmente a mãe de Kyle, ficam horrorizados com o vocabulário das crianças após a sessão do filme, iniciando uma revolta moral contra o Canadá que rapidamente escala para um conflito digno da Terceira Guerra Mundial. À margem de tudo estão Saddam Hussein e o Diabo, que diretamente do inferno preparam a sua ascensão à Terra enquanto vivem um intenso romance homossexual.
Que fique bem claro: este não é um filme para crianças, pelo menos as que sabem ler e já têm um mínimo de discernimento das coisas. A primeira parte da história é impregnada de indescritíveis palavrões e expressões pesadas, chulas ao extremo. O exagero é tanto que resvala no mais puro mau-gosto, infelizmente. Conhecido pela crítica incisiva, pelo humor ácido e pela gozação típica com certas figuras famosas (como Barbra Streisand, que mais uma vez é avacalhada aqui), o seriado dos moleques nada politicamente corretos se expande para um longa-metragem que se aproveita bem da distância do meio televisivo e da censura adulta para bombardear a platéia com números musicais estúpidos como um tal de Uncle Fucka, cujo refrão infelizmente gruda na mente assim que é ouvido. Aliás, esta é outra característica de South Park, o atrevimento de se dar ao luxo de ser um musical. Tirando as coisas de mau-gosto, até que a fórmula funciona.
Se o espectador conseguir resistir à primeira metade do filme, acabará sendo recompensado com muitas gargalhadas em meio às referências e piadas relâmpago que pipocam a cada segundo. Aí é que se percebe que os moleques não são a coisa mais engraçada do filme, e muito menos a dupla peidorrenta Terrance & Phillip (que chegou até a ganhar série própria!). As melhores seqüências e piadas ficam a cargo de Saddam Hussein e seu amante, o Diabo, numa representação que subverte a imagem do capeta ao retratá-lo como um brutamontes sentimental e passivo, dominado pelo implacável ditador iraquiano. Não é à toa que o filme foi proibido dentro do Iraque na época de seu lançamento! Não sei se ainda é hoje.
Para os não iniciados na série da televisão o longa-metragem de South Park pode ser um choque. Tudo fará bem mais sentido e terá muito mais graça se a platéia já for fã, e mesmo estes podem acabar sentindo a mão bem mais pesada dos dementes Trey Parker e Matt Stone na concepção desta maluquice.
Além do trailer e de três teasers, há ainda na seção de extras um videoclipe da música What Would Brian Boitano Do?, que mistura uma banda de verdade qualquer com trechos do filme. Tudo o que consegui descobrir sobre esse tal de Boitano é que ele é um patinador famoso no hemisfério norte. Ironicamente, esta é a canção mais bacana de toda a parte musical do filme.
Texto postado por Kollision em 22/Julho/2005