O pior filme de todos os tempos. Está aí uma alcunha à qual poucas obras cinematográficas têm a honra, ou a desonra, de estarem sujeitas. Anti-obra-prima da sétima arte, absurdo técnico e narrativo perpetrado pelo também considerado por alguns como o pior diretor de todos os tempos. O pouco que o público em geral conhece de Plano 9 do Espaço Sideral resume-se nestas poucas linhas. A aura de "cult" deve-se a isso e, claro, a fatores inexplicáveis que só podem ser mesmo compreendidos após uma sessão do filme.
A história? Discos Voadores começam a ser vistos com freqüência cada vez maior numa cidadezinha suburbana da Califórnia. Inexplicavelmente, os túmulos do cemitério local aparecem vazios da noite para o dia, e um casal recém-falecido volta à vida (Bela Lugosi e Vampira), passando a aterrorizar as redondezas. Tudo não passa de um intricado plano (o tal plano 9) de dominação mundial dos extra-terrestres, que decidem ressuscitar os mortos e fazê-los marchar contra todas as cidades da Terra, após se cansarem de ter sua existência continuamente ignorada pelos governantes do mundo. Discos voadores se deslocam da nave-mãe, estacionada em algum ponto fora do planeta, para arregimentar o exército de mortos-vivos e levar a cabo a terrível vingança contra a humanidade.
Edward D. Wood Jr. foi um cara estranho. Como o próprio disse certa vez, Plan 9 foi sua obra-prima. Afinal, o cara era maluco? Justiça seja feita: sob o ponto de vista técnico, é difícil argumentar contra aqueles que o taxam de pior cineasta de todos os tempos. Uma sessão de Plan 9 corrobora cada uma das inúmeras críticas desferidas contra o diretor excêntrico que gostava de se vestir de mulher. Diálogos imbecis, edição mal-feita, erros de continuidade e iluminação, gambiarras em cenários, reaproveitamento vergonhoso de tomadas, colagens de outros filmes, elenco mal-dirigido, falta de ritmo narrativo, total falta de lógica e sincronismo com a realidade, indescritíveis (d)efeitos especiais, e muitos, mas muitos outros absurdos. Tudo isso está lá, de forma chocante e quase inacreditável para quem está assistindo pela primeira vez.
Porém, uma olhada com mais calma nos filmes de Ed Wood pode ajudar a entender porque Plan 9, em toda a sua ignóbil magnitude asinina, ascendeu à categoria de cult. E não há como escapar do clichê aqui: o filme é tão ruim que é bom. É virtualmente impossível evitar as gargalhadas. Bela Lugosi, ícone do cinema de horror que morreu na miséria e foi ressuscitado por Ed Wood em fim de carreira, tem em Plan 9 uma presença post-mortem. Falecido em 1956, todas as cenas em que seu rosto aparece são material reaproveitado pelo diretor a partir de um curta-metragem mudo feito imediatamente antes da morte de Lugosi, e que não tinha absolutamente nada a ver com o roteiro do filme. Em Plan 9, Wood viu-se obrigado a utilizar um dublê, que aparece sempre de costas ou cobrindo o rosto com a indefectível capa de Drácula (mais um absurdo inexplicável do filme, que ressuscita um morto enterrado com uma capa). Lugosi não tem uma fala sequer, assim como sua companheira morta-viva Vampira, também ícone em menor escala de filmes-B. Tor Johnson, ex-lutador de luta livre que se torna o terceiro zumbi (e que seria perfeito como o Rei do Crime no filme do Demolidor, se estivesse vivo), é o membro do elenco que mais de destaca, pois protagoniza diálogos e encarna o morto-vivo mais bem caracterizado, com um semblante sempre inexplicavelmente cômico. Completanto a palhaçada, o guru Criswell abre e fecha o filme com suas previsões e afirmações malucas.
Não dá para falar muito dos extra-terrestres sem estragar o filme. Porém, como Plan 9 já é estragado em sua essência, tão porcamente produzido e por isso mesmo tão encantador, pode-se dizer que a entrada em cena dos ETs só tem a contribuir com o nível cômico da película. Absurdos são destilados na tela como uma metralhadora, tanto pelos dois ETs paus-mandados quanto pelo chefe, uma espécie de dândi inter-galáctico. Para onde tudo isso vai levar? Só a mente de Edward D. Wood Jr., escritor, produtor e diretor de Plano 9 do Espaço Sideral, pode dar uma resposta. Se ela será satisfatória, só o público em sintonia com sua "genialidade" às avessas poderá dizer.
A edição em DVD do filme garante às novas gerações a continuidade e, com certeza, o aumento do culto a Plan 9. Com biografias do diretor e dos três mortos-vivos, uma pequena galeria de fotos e trailer, um segundo disco traz ainda um documentário de quase duas horas sobre o fascínio que o filme vem causando desde a época de seu lançamento. Bastante abrangente, com participações inusitadas (Sam Raimi dá um caldo hilário) e entrevistas recentes de membros do elenco ainda vivos, é uma verdadeira aula sobre esse diretor tão massacrado, mas ao mesmo tempo tão adorado, que foi Ed Wood Jr.
Texto postado por Kollision em 21/Novembro/2004