A lenda do Rei Arthur e dos cavaleiros da távola redonda encontra em As Brumas de Avalon, telefilme com três horas de duração produzido pelo canal TNT e projetado para ser exibido em quatro partes, um enfoque estritamente diferente daquele já mostrado em películas clássicas como Excalibur (John Boorman, 1981). Este enfoque, baseado no best-seller homônimo de Marion Zimmer Bradley, consiste na visão e no controle político estabelecido pela linhagem de mulheres comandada pela etérea Dama do Lago das lendas, que aqui toma forma física e manipula todos ao seu redor para tentar preservar a então definhante religião praticada pelas sacerdotisas de sua família.
A tal Dama do Lago é Viviane (Anjelica Huston), guardiã e protetora da ilha de Avalon, reduto sagrado da antiga religião, que está sendo então sobrepujada pelo cristianismo e pela onda de invasões dos bárbaros saxões às terras da Bretanha. Temendo que todo o reino se esfacele ante a invasão inimiga, Viviane e seu aliado Merlin controlam secretamente sua irmã Igraine (Caroline Goodall) para que esta gere um filho do então rei Uther Pendragon. A criança é Arthur (Edward Atterton), o regente que deverá unir todos os povos sob uma única bandeira, sejam eles cristãos ou adeptos da mística religião de Avalon, mantendo assim acesa a chama que sustenta a ilha encantada. As manipulações ardilosas de Viviane acabam por ter conseqüências desastrosas no futuro próximo, uma vez que Morgana (Julianna Margulies), meia-irmã de Arthur e eventual sucessora da sacerdotisa, começa a contestar suas atitudes e decide se distanciar da teia de intrigas e manipulações políticas traçada por sua mentora. Ambas, no entanto, estão ainda à mercê da ambiciosa Morgause (Joan Allen), irmã de Viviane e também adepta da magia típica de Avalon.
Nada de longos e sangrentos combates de capa e espada esperam os mais afoitos por violência em As Brumas de Avalon. A produção é excelente para os padrões televisivos, mas não dá ênfase nas batalhas por dois motivos. Um deles é o custo, claro, o outro é o texto do livro original, que transforma as mulheres no epicentro de uma era que representa várias coisas, mas principalmente a lenta morte da crença na magia. A família da Dama do Lago é a última remanescente de sua linhagem, e o desejo de manter esta linhagem viva e pura é um dos alicerces da tragédia que se abate sobre Camelot, conseqüência também não desejada de atitudes da própria Morgana, como comprova a origem de uma certa paixão entre Lancelot (Michael Vartan) e Guinevere (Samantha Mathis), a prometida de Arthur. Por mais feminista que seja a história, é no mínimo interessante acompanhar o desenlace de toda a nefasta preparação de Viviane, e como todos os homens nada são além de meros peões num tabuleiro regado a magia, sexo e ambição. Nem mesmo Merlin, o verdadeiro 'mestre dos magos', por assim dizer, chega a ter uma relevância mais significativa nos eventos mostrados.
As interpretações são em sua maioria corretas, e todos os personagens cujos nomes é possível memorizar têm tempo de cena suficiente para demonstrarem isso. O filme ajuda a desconstruir a idéia pré-concebida e arraigada por várias mídias de que Morgana era uma feiticeira má, rótulo que aos poucos vai se revelando mais adequado à sua tia Morgause. As implicações de ordem religiosa ganham força no final, com uma inoportuna analogia física de Arthur à figura de Jesus Cristo e uma metáfora apaziguadora em seu desfecho. Nem sempre sendo fiel ao livro de Marion Zimmer Bradley, o principal diferencial do filme é oferecer uma visão distinta das fascinantes lendas que cercam o mito/personagem histórico do rei Arthur.
A seção de extras contém 7 minutos de cenas excluídas e uma galeria de fotos de todos os personagens da trama.
Texto postado por Kollision em 25/Janeiro/2005