Cinema

Mais ne Nous Délivrez pas du Mal

Mais ne Nous Délivrez pas du Mal
Título original: Mais ne Nous Délivrez pas du Mal
Ano: 1971
País: França
Duração: 102 min.
Gênero: Drama
Diretor: Joël Séria
Trilha Sonora: Claude Germain, Dominique Ney
Elenco: Jeanne Goupil, Catherine Wagener, Bernard Dhéran, Gérard Darrieu, Marc Dudicourt, Michel Robin, Véronique Silver, Jean-Pierre Helbert, Nicole Mérouze, Henri Poirier, Serge Frédéric, René Berthier, Frédéric Nort
Distribuidora do DVD: Mondo Macabro
Avaliação: 7

Banido sem rodeios pela censura francesa, este filme permaneceu durante anos na obscuridade total graças à sua carga religiosa e sexualmente blasfema, que com certeza deixou os puritanos de cabelos em pé e, com isso, viria a despertar uma curiosidade enorme entre muitos fãs do cinema marginal. A trama é livremente inspirada num episódio real ocorrido na Nova Zelândia durante a década de 50, que também serviu de base para o futuro e aclamado Almas Gêmeas (Peter Jackson, 1994), e impressiona pela demonstração sem firulas da maldade humana em uma de suas formas mais perigosas: encoberta por uma fachada de inocência e pureza.

Estréia na direção do ex-ator Joël Séria, a obra mantém ainda hoje um aspecto atual, o que talvez seja um indicativo de que a maldade, assim como qualquer outra vertente mais nobre retratada pelo cinema, também nunca sai de moda. Apesar de partir de um orçamento minguadíssimo, o diretor faz um bom trabalho com seu roteiro e consegue maquiar bem suas limitações, graças ao desempenho de sua dupla de atrizes e ao aproveitamento consciente dos cenários ao ar livre das pradarias francesas. Ele próprio um aluno de colégio interno religioso em sua infância, Séria afirma ter feito uma espécie de catarse ao lançar-se na carreira de diretor com um trabalho tão chocante para a época de seu lançamento.

A morena Anne (Jeanne Goupil) e a loirinha angelical Lore (Catherine Wagener) são duas amigas adolescentes que passam os dias enfurnadas num convento. Influenciadas por leituras consideradas blasfemas, as duas se unem num pacto deliberado de serviência a Satã, comprometendo-se a fazer somente o mal onde quer que estejam. Assim que chegam as férias de verão, elas se dedicam a atormentar aqueles que estão próximos, como o contido jardineiro da família e um jovem fazendeiro de uma propriedade vizinha. De atitudes pequenas como assassinar os pássaros do jardineiro elas evoluem para provocações cada vez mais pesadas, envolvendo-se em situações de tentativas de estupro e, eventualmente, assassinato.

O filme é essenciamente tratado como um drama, calcado pesadamente na revolta da juventude contra um sistema opressivo e, por conseguinte, partindo do desprezo das moças pelos valores da igreja e pela religião em si. Mas não há muito o que se analisar em matéria de influência do meio, já que elas trazem o mal dentro de si sem que haja qualquer amostra evidente de uma causa mais concreta para suas atitudes. Há seqüências filmadas com uma beleza estética que fica na memória, como o beijo da freira atrás do buraco da fechadura e o final inesperado, cuja imagem parece reverberar em filmes posteriores de um modo quase subconsciente... Seria Mais ne Nous Délivrez pas du Mal fonte de inspiração secreta de futuros cineastas? Outra coisa que não me sai da cabeça são os nomes das personagens principais, que, unidos, resultam em "Annelore". Há um quê de familiaridade etérea neste nome, preciso verificar qualquer hora onde foi que eu o ouvi.

Lidando com a beleza imberbe das duas atrizes, que realmente parecem ser menores de idade, o roteiro coloca em choque tal perfeição física e a manifestação crua da maldade, num contraste deveras eficiente que compensa a inércia excessiva da primeira metade do filme. A ocasional nudez de uma das moças nas cenas mais fortes do filme não é gratuita, é objeto de uma combinação peculiar de instinto libidinoso, voyeurismo e aversão. A melhor expressão para se traduzir tais situações é a tradicional "brincar com fogo". Uma hora a criança pode se queimar, momento no qual ela percebe que sua brincadeira de onipotência é uma ilusão, suas ações podem levá-la à ruína e o destino não é capaz de desfazer certos atos. A mensagem final, acompanhada pela declamação de um poema de Baudelaire, é uma ode ao inconformismo em sua inegável eloqüência visual.

Em tempo: não sei se os pássaros realmente são mortos pelas garotas. Algumas fontes dizem que eles foram colocados para dormir, outras defenestram o filme pela crueldade praticada contra os bichinhos.

Os extras do DVD consistem numa entrevista atual de 15 minutos com o diretor Joël Séria, outra de 12 minutos com a atriz Jeanne Goupil e uma terceira com o escritor inglês Paul Buck, falando sobre o crime real que deu origem à história do filme. Há ainda um artigo em texto sobre a obra, uma galeria de fotos e pôsteres e a tradicional vinheta com lançamentos da distribuidora Mondo Macabro.

Visto em DVD em 3-DEZ-2006, Domingo - Texto postado por Kollision em 9-DEZ-2006