O que dizer de um filme de artes marciais que é, ao mesmo tempo, uma comédia pastelão e um impressionante show de efeitos especiais? Inusitado e digno de uma conferida, para dizer o mínimo. Trata-se de mais uma empreitada do mais novo multi-homem das artes marciais a vir do oriente, um digno sucessor de Jackie Chan que aqui faz as vezes de protagonista, diretor, escritor e compositor de Kung-fusão, para citar as responsabilidades mais notórias. O filme bateu o recorde de arrecadação em seu país e teve distribuição massiva no exterior, onde também estabeleceu algumas marcas impressionantes.
Não há muito de uma 'história', para começo de conversa. Numa pacata e pobre vila de camponeses, na realidade um dos últimos refúgios não assolados pela guerra de gangues que varre a região, a paz é perturbada quando dois arruaceiros pé-de-chinelo (Stephen Chow e Chi Chung Lam) tentam conquistá-la em nome da gangue do machado, a mais temível facção criminosa do país. A fúria dos gângsteres é logo aplacada por três mestres do kung-fu que vivem em segredo entre os camponeses, o que por sua vez vai provocar uma guerra entre a gangue de assassinos e a vila desafortunada. Enquanto Stephen Chow e seu companheiro gordo tentam de todas as formas entrar para a gangue, a salvação dos camponeses passa a depender dos três mestres e de mais alguns segredos guardados pelos mais improváveis personagens do conflito maluco.
A tradução para o português do título pode ser indecente, assim como o trailer não entrega muito do que essa pérola do exagero em nome do mais puro entretenimento carrega em seus pouco mais de 90 minutos de duração. O círculo de transferência cultural iniciado pelos irmãos Wachowski em Matrix (1999) se fecha e as inovações introduzidas pelo recente clássico da ficção científica retornam de forma estonteante ao berço de onde saíram. O mais claro exemplo é uma cena que parece ser ao mesmo tempo paródia e homenagem à luta de Neo contra 100 agentes Smith em Matrix Reloaded (2003). A outra vertente pela qual o filme envereda é o advento de poderes que conferem aos mestres do kung-fu algo que só pode ser definido como uma mistura de Dragon Ball Z, jogos de briga da CAPCOM, o Neo de Matrix e Cavaleiros do Zodíaco. Acreditem, o que acabo de escrever não é exagero.
A violência da seqüência de abertura pode assustar um pouco, mas é só começar a palhaçada que tudo fica estilizado e mais digerível como comédia de ação. Obviamente, há um preço a se pagar pelo alto volume de tomadas em CGI utilizadas nas cenas movimentadas do filme. Como era de se esperar, nem sempre elas são convincentes. O que de forma alguma chega a comprometer a diversão, com exceção de uma passagem: a corrida à la Papa-Léguas pode ser bacana, mas força demais a barra e não encontra respaldo algum dentro da narrativa. Os trechos românticos envolvendo a relação entre o bandido contrariado de Stephen Chow e sua namoradinha de infância transitam perigosamente entre o piegas e o cinematograficamente encantador, como o final bacana pode comprovar. Além do engraçadíssimo Chow, há personagens impagáveis como a Fera (Hsiao Liang), o mestre máximo do kung-fu, que lembra muito um dos meus professores de faculdade.
Kung-fusão é a síntese anabolizada do que pode ser feito de bom com apenas 20 milhões de dólares, quantia hoje irrisória para qualquer blockbuster que se preze. Atesta a ascensão mundial do alucinado Stephen Chow e representa garantia de ótima diversão descerebrada e boas risadas.
Texto postado por Kollision em 18/Agosto/2005