Ser indicado para o Oscar de melhor diretor já em seu segundo longa-metragem não é para qualquer um. Quando se pensa em alguém cujo início de carreira esteve indelevelmente ligado à TV e a uma série depressiva passada dentro de um hospital, a coisa torna-se ainda mais impressionante. Mas não há como negar: George Clooney é hoje um dos homens mais poderosos de Hollywood e, mesmo quem não tenha aprovado completamente este filme e seu esforço anterior (Confissões de uma Mente Perigosa) deve admitir que a sua presença no show bussiness americano é extremamente saudável e bem-vinda, principalmente ao se travar contato com o conteúdo dramático de Boa Noite e Boa Sorte, um tapa na cara de um dos mais ignorantes regimes vistos no século XX e uma indagação muito bem-feita sobre o rumo que a televisão tomou em algum ponto deste mesmo século.
Baseado em fatos reais, o filme se concentra na história de Edward R. Murrow (David Strathairn), um jornalista que ascendeu ao topo de sua categoria após cobrir os lances mais trágicos da Segunda Guerra Mundial, mas viveu seu grande momento à frente de um programa jornalístico transmitido pela CBS durante a década de 50. Foi durante as suas transmissões que, comandando uma fiel equipe de profissionais de comunicação, Murrow travou uma tensa batalha verbal e ideológica com o senador Joseph McCarthy, o então responsável pela infame caça às bruxas que arruinou as vidas de um sem-número de cidadãos inocentes, injustamente acusados de possuírem afiliação com o tão temido partido comunista.
Extremamente enxuto e direto ao ponto, talvez até demais, este belo trabalho de fotografia em preto-e-branco traz de volta ao cinema a atmosfera associada ao film noir, apesar de em nenhum momento enveredar por esta vertente especificamente. A cortina de névoa proveniente do simples ato de fumar, por exemplo, é algo que adquire uma beleza que só pode ser vislumbrada de fato nos filmes em preto-e-branco, e permeia praticamente 80% dos enquadramentos precisos e incisivos do diretor George Clooney, quase sempre pelas mãos do próprio Edward Murrow. Acompanhando e pontuando as passagens do roteiro está o trabalho fenomenal da cantora de jazz Dianne Reeves, interpretando clássico após clássico e registrando com certeza uma das melhores trilhas sonoras dos últimos tempos.
Murrow recebe aqui o rosto e a austeridade de David Strathairn, num desempenho indicado ao Oscar. Sua performance é impecável, garantindo a credibilidade necessária para sustentar uma história que, se decidisse mostrar mais das atividades equivocadas do senador Joseph McCarthy, teria sido mais feliz e adquirido uma identidade mais completa como narrativa cinematográfica. Do jeito que está, o filme exige demais do conhecimento histórico prévio da platéia, e falha em transmitir de forma mais consistente a sensação de medo e apreensão pela qual passam Edward Murrow e seus colaboradores. Para se ter uma idéia, as únicas cenas que se desviam dos estúdios e escritórios da CBS são as tensas reuniões do grupo no café, à espera das críticas do dia seguinte, e os momentos íntimos de um repórter com a opinião dividida (Robert Downey Jr.) e sua esposa (Patricia Clarkson).
McCarthy aparece somente em gravações reais, o que atesta o desejo da produção em manter uma veracidade quase documental para a sua história. O "vilão", por assim dizer, tem sua derrocada fortemente influenciada pelos esforços de Murrow e sua equipe, cujos percalços internos (representados pelo chefe executivo da CBS, feito por Frank Langella) e externos (o medo coletivo do comunismo e as críticas dos meios de comunicação) consomem os jornalistas em momentos de grande tensão. Esta derrocada meio que se confunde com o início da rendição da TV ao marketing capitalista, o que é exposto com muita propriedade no discurso final do filme.
Texto postado por Kollision em 6/Abril/2006