O personagem tem um objetivo a ser atingido. Ao longo do filme, esse objetivo é dificultado por uma série de fatores e obstáculos que dão interesse à história e conduzem-na a um desfecho onde o personagem pode ou não conseguir seu intento. Essa é uma das técnicas básicas para a elaboração de uma boa história, mas nem sempre é garantia de um filme bom. Isso é exatamente o que acontece com os irmãos Coen (Ethan, o produtor, e Joel, o diretor, ambos roteiristas) em Fargo, obra que arrematou os Oscars de melhor roteiro original e melhor atriz para Frances McDormand em 1997.
A base da história é simples. Jerry Lundegaard (William H. Macy), um vendedor de carros endividado, contrata os serviços de dois larápios (Steve Buscemi e Peter Stormare) para a execução do seqüestro de sua esposa e a posterior obtenção do dinheiro do resgate, que virá dos bolsos do sogro rico (Harve Presnell). Como sugere o às vezes usado subtítulo do filme em português ("Uma Comédia de Erros"), as coisas acabam não saindo muito bem como planejado e resultam em violência e assassinato, o que coloca a policial grávida Marge Gunderson (Frances McDormand, esposa de Joel Coen na vida real) no encalço dos malfeitores em meio ao rigoroso inverno do estado caipira de Minnesota.
Assim como em outras obras feitas pelos Coen, os personagens de Fargo transmitem uma sensação latente de estranheza, quase como uma demência interior, que é sutilmente filtrada pelos diálogos concebidos pela dupla de cineastas. A história sobre o vendedor encrencado, uma pessoa simples que se mete numa encrenca ainda maior, rende alguns momentos tensos e engraçados, marcadamente denotados pela interação entre o contratante e os dois bandidos. Há o contraponto fornecido pela policial caipira e educada de Frances McDormand, que em seu mundo interiorano e simples conduz a investigação dos assassinatos com os métodos mais comuns e tradicionais possíveis. Mostrar a vida familiar de Marge só acentua o abismo entre ela e seu algoz.
No entanto, há várias coisas em Fargo que, de tão estranhas, acabam de certa forma ferindo a história e ultrapassando o limite do bom senso. Primeiramente, ela não é baseada em fatos reais, como anunciado no início do filme (nem poderia, dada a estupidez embutida em várias passagens do roteiro). O anacronismo maior é o bandido calado feito por Peter Stormare, que termina sendo o único causador de todas as merdas que levam o vendedor Jerry a um beco sem saída. Sua loucura é inconveniente e está além do aceitável, mesmo para o parceiro de um bandido com cara de palerma como Steve Buscemi. Sua motivação não existe, e atribuir todas essas características à 'bizarrice' da situação simplesmente não funciona. O aspecto mais irritante, porém, acaba sendo o excesso de "yeahs" e "yahs" contidos nos diálogos. Isso me encheu o saco, e muito. Ilustrar o quanto a vida de alguns personagens é monótona e vazia poderia ter sido feito de uma forma mais inteligente, creio eu.
Apesar de tudo, William H. Macy dá um show em cena como o vendedor Jerry. A dupla de bandidos também agrada. O que pareceu extremamente esquisito foi o Oscar agraciado a Frances McDormand. Não há dúvidas de que ela é excelente atriz, mas não há nada de especial em sua personagem que justifique o prêmio. Fargo é convencionalmente bem dirigido e tem belíssimas paisagens valorizadas pela boa fotografia, mas minha impressão é que é um filme superestimado. Um exemplo de obra similar, de muito maior conteúdo dramático e que merecia maior reconhecimento é Um Plano Simples, dirigido por Sam Raimi em 1998.
Na seção de extras do DVD há um making-of de quase meia hora, uma entrevista de 20 min. com os irmãos Coen e Frances McDormand, um artigo da revista American Cinematographer com interessantes detalhes técnicos fornecidos pelo diretor de fotografia do filme, galeria de fotos da produção, trailer, spot de TV e o trailer da edição especial em DVD de Veludo Azul.
Texto postado por Kollision em 26/Maio/2005