Rainer Werner Fassbinder foi mais um artista que viveu uma vida conturbada e cheia de excessos, morrendo prematuramente de overdose antes de completar 40 anos. Muito já ouvi falar sobre este diretor alemão, mas nunca tinha assistido a uma obra sua, até este filme.
O roteiro acompanha a vida da alemã Maria Braun, uma mulher que se casa com um soldado durante o último período da Segunda Guerra Mundial mas passa apenas um dia com seu esposo antes de ele retornar ao front. A guerra termina e, vivendo com a mãe e a irmã num prédio semi-destruído pelo conflito, ela se vê à volta com a miséria pregueada pelo domínio dos militares americanos. De personalidade forte e determinada, ela acredita que seu marido um dia retornará, e leva consigo um cartaz às costas com os dizeres "Wer kennt Herrman Braun?" (Quem conhece Herrman Braun?) e uma foto do amado. A realidade não é nada fácil. Quando o marido de sua irmã retorna da guerra trazendo notícias do front, sua vida começa a mudar e tomar rumos diferentes, que podem escandalizar ou ser mesmo bastante coerentes sob determinados pontos de vista.
A direção de Fassbinder é firme, e não dá espaço para momentos de pieguice. A história é contada de forma linear e direta, muito embora certos pontos narrativos possuam uma ambigüidade evidentemente proposital. Algumas seqüências são memoráveis e chegam a exalar erotismo, como o momento em que Maria procura emprego num bar e brinca com as barras paralelas, sendo surpreendida pelo dono do local. Entre outras passagens marcantes, estão ainda a seqüência de abertura, mostrando o casamento da moça, e o momento em que ela dá um destino definitivo ao cartaz que carrega nas costas. Algumas cenas com várias camadas de áudio, à primeira vista aparentemente irritantes, são intrigantes e devem ser vistas com muita atenção.
O aspecto histórico do filme vai cedendo cada vez mais espaço aos dramas da personagem principal, à medida que ele avança. É aí que se percebe que, em sua essência, O Casamento de Maria Braun fala sobre o amor. Hanna Schygulla está muito bem no papel. E linda. O próprio Fassbinder aparece numa cena, como o atravessador que providencia a Maria vestidos e bebidas.
O DVD do filme lançado no Brasil apresenta uma pequena pérola para os fãs de Schygulla: uma entrevista atual de cerca de 30 min., legendada, em que ela rememora seu início de carreira, seus primeiros trabalhos com Fassbinder, a quem conheceu numa companhia de teatro, e seu papel em O Casamento de Maria Braun. É fato que a carreira de Hanna Schygulla não foi mais a mesma depois da morte do diretor, em 1982, quando ela passou a atuar no cinema americano, geralmente em obras na sua maioria dispensáveis. Dá uma pontada de tristeza ao ouvi-la mencionar que atualmente se dedica quase que exclusivamente ao trabalho no teatro, simplesmente porque não recebe mais propostas para atuar em filmes de qualidade hoje em dia.
Outra atração do DVD (também legendada) é uma apresentação esclarecedora do professor de cinema Eric Rentschler, da Universidade de Harvard, sobre os aspectos do filme e suas impressões sobre a obra de Fassbinder.
Texto postado por Kollision em 5/Junho/2004