A fama póstuma costuma acontecer a muito poucas pessoas. Porém, quando já se é famoso e a morte súbita ocorre, o culto à celebridade aumenta de forma quase exponencial. Vide John Lennon, Kurt Cobain, Janis Joplin, Renato Russo, Jim Morrison, Cazuza, etc. Os dois últimos já tiveram produções cinematográficas dedicadas a retratar, sempre com fictícios retoques narrativos, suas vidas conturbadas e fugazes. Fossem quem fossem, e não importa o quão boas eram suas contribuições à arte que praticavam, suas vidas foram e são ainda hoje material para qualquer blockbuster faturar algumas dezenas de milhões de dólares.
O que dizer então de alguém que foi um fracasso em vida, morreu na miséria e foi mais tarde considerado o pior realizador naquilo em que se dedicava a fazer com tanto afinco? Exatamente esta última crítica, proferida dois anos após sua morte, seria a responsável pela hoje crescente e fiel base de fãs do seu singular, único e bizarro conjunto de obras cinematográficas, inconfundível e para sempre inserido na história da sétima arte. É claro que estamos falando de Edward D. Wood Jr., o inepto diretor de pérolas como Glen ou Glenda e Plano 9 do Espaço Sideral, este último tido por muitos como o pior filme de todos os tempos. Wood foi a mente por trás de alguns dos mais incompetentes filmes surgidos nas décadas de 50 e 60, foi massacrado pela crítica e teve uma vida particular conturbada, marcada por excentricidades e problemas com o alcoolismo.
Tim Burton, fã declarado das obras do execrado diretor (tanto que ele batizara seu sucesso anterior, Edward Mãos de Tesoura, em homenagem ao homem), levou a cabo a representação da sua vida em Ed Wood, o filme. Representação fiel (até certo ponto) da ascensão do incompetente cineasta, conta a epopéia de Wood (Johnny Depp) e sua turma de desajustados desde o seu primeiro filme distribuído comercialmente (Glen ou Glenda) até aquele que o próprio consideraria seu orgulho pessoal (Plano 9 do Espaço Sideral). Passando por suas uniões com a atriz Dolores Fuller (Sarah Jessica Parker) e mais tarde com a jovem Kathy O'Hara (Patricia Arquette), além de sua genuína amizade com o ícone do cinema de horror Bela Lugosi (Martin Landau, em performance que lhe valeu o Oscar de melhor ator coadjuvante e rendeu a Rick Baker o Oscar de melhor maquiagem), o filme mescla em sua maior parte passagens reais da vida do diretor com relativamente poucas seqüências fictícias, um dos méritos inquestionáveis da produção.
A vida de Ed Wood, em sua essência, já era um material de primeira para a concepção de qualquer filme biográfico focado tanto em seu aspecto dramático quando na mais pura comédia. Porém, é nesta última característica que Burton se concentra, fazendo de Ed Wood um show bastante divertido, que fará a alegria suprema dos cinéfilos familiarizados com os filmes de Wood. Dividido em três atos, que acompanham a realização dos filmes Glen ou Glenda, A Noiva do Monstro e Plano 9 do Espaço Sideral (A Face do Crime é solenemente ignorado, e com a devida razão), as dificuldades de Wood em conseguir financiamento e suas desventuras ao reunir o elenco dos filmes são retratadas com leveza, nunca de forma apelativa e com extremo respeito pela história de alguém que realmente acreditava naquilo que estava fazendo, mesmo apesar de todas as críticas negativas. Esse era Wood, o homem de gostava de se vestir de mulher e se recusava a repetir cenas durante filmagens, mesmo que elas fossem visivelmente malfeitas. Esse era Wood, o diretor que, com sua completa falta de talento mas indiscutível paixão pela sétima arte, criou pérolas que resistiram ao tempo e hoje fazem a alegria dos festivais de filmes trash ao redor do mundo.
Ed Wood celebra a vida do homem que inspirou o filme, e se detém antes de sua derrocada e lento afastamento do mundo que ele tanto amava. O verdadeiro Wood morreria na miséria, morando de favor no trailer de um amigo, com a idade de 53 anos. A menção a este fato aparece ao final do filme, assim como o destino de todos os personagens principais da vida do diretor, como manda o figurino de obras biográficas. Alguns deles, inclusive, aparecem em personificações tão perfeitas que assombram, como o já citado Martin Landau como Bela Lugosi, e Vincent D'Onofrio como Orson Welles, numa seqüência fictícia de um encontro seu com Ed Wood. Johnny Depp está ótimo no papel-título, apesar de ter o físico e as feições não muito similares às de Wood.
A Buena Vista incluiu como extras do DVD o trailer, um videoclipe instrumental "do além" com Lisa Marie e sua personificação de Vampira, e cinco featurettes com duração média de 10 minutos cada. Os featurettes trazem cenas de bastidores, Rick Baker falando sobre a maquiagem de Martin Landau, um especial sobre o fenômeno do travestismo, apresentação do design de produção do filme e uma interessantíssima amostra do teremin (theremin), bizarro instrumento musical utilizado por Howard Shore para compor a trilha sonora típica dos filmes B dos anos 50.
Texto postado por Kollision em 1/Dezembro/2004