Um êxito artístico que se estendeu até o Festival de Cannes, este é considerado por alguns o mais importante filme brasileiro de todos os tempos. Marco da cultura cinematográfica nacional, é o segundo longa-metragem de Glauber Rocha e o primeiro de sua completa autoria, já que Barravento (1961) fôra um trabalho seu a partir de uma obra já iniciada por Luiz Paulino.
A história de Deus e o Diabo na Terra do Sol acompanha a trajetória caótica do matuto Manuel (Geraldo Del Rey), que logo no início do filme mata seu ganancioso patrão numa briga por gado, tem sua mãe morta e foge através do sertão baiano com sua mulher Rosa (Yoná Magalhães). Em seu caminho ele encontrará um profeta negro (Lídio Silva) e um cangaceiro loiro (Othon Bastos), e será seguido de perto por um mercenário matador de cangaceiros, Antônio das Mortes (Maurício do Valle).
A aridez da caatinga e de um sertão castigado pela pobreza e a trilha musicada por Sérgio Ricardo a partir de letras de cantigas colhidas pelo diretor servem de palco para a jornada de Manuel, um pobre coitado levado por suas crenças pela vida como uma folha seca é levada pelo vento. A referência a Deus e ao Diabo é clara nas figuras do beato negro e do cangaceiro ao qual Manuel se alia na segunda metade do filme. Sua fé cega em um profeta que se diz São Sebastião e proclama absurdos utópicos sobre a realidade local confunde-se com a fé deturpada no cangaceiro ao qual ele enxerga como São Jorge, tal qual uma criança que necessita sempre da orientação de algum adulto para seguir adiante.
O aspecto que mais transparece no filme é, acima de tudo, a verve poética. Imagens poderosas e seqüências bastante longas e lentas, filmadas numa única tomada, atestam esta característica de Deus e o Diabo na Terra do Sol. Os elementos surreais ficam mais evidentes na primeira parte do filme, principalmente nas demonstrações de fé do personagem Manuel. Pier Paolo Pasolini foi um dos cineastas de renome internacional que mais se impressionaram com as imagens de Glauber Rocha, e daí já é possível ter uma idéia de quão poético o filme pode ser, se comparado a uma das obras no estilo do diretor italiano. Uma seqüência particularmente angustiante é a de Manuel carregando uma pedra sobre a cabeça por uma trilha íngreme, de joelhos, ao lado do beato santo. Longa, aparentemente interminável, esta seqüência fez com que o ator Geraldo Del Rey ficasse com ferimentos na cabeça e deixasse de filmar por 2 dias para se recuperar. Outra é o sacrifício que o beato obriga Manuel a fazer na igreja do alto do morro, de uma carga surreal tão grande quanto difícil de ser descrita.
Deus e o Diabo na Terra do Sol definitivamente não é um filme para todas as platéias, apesar de ser um clássico do cinema brasileiro. Tem interpretações magníficas de Geraldo Del Rey e Othon Bastos, assim como momentos e imagens realmente antológicas. Porém, possui passagens demasiadamente lentas em seu trecho intermediário, lentidão essa que chega a ser um pouco irritante.
O DVD duplo traz várias entrevistas com os envolvidos no projeto, sendo a mais longa e interessante um depoimento entusiasmado de Othon Bastos e Yoná Magalhães sobre o filme. Há material sobre o processo de remasterização para a edição em DVD, elaboração da trilha sonora, trailer, biografias do diretor e dos atores principais e um extenso arquivo de material de divulgação da época (com críticas, ensaios, pôsteres e galeria de fotos).
Texto postado por Kollision em 31/Julho/2004