De aspirações românticas a viagens aventurescas, com direito às mais diferentes descobertas e às mais variadas experiências, praticamente todos já se viram passando por uma situação como a deste filme. Sortudos e raros devem ser aqueles que de fato chegaram a viver algo próximo, mas a verdade é que a força que torna este trabalho de Richard Linklater agradável aos sentidos é a mesma que faz com que de alguma forma nos identifiquemos com a idéia da afinidade e do amor à primeira vista, e da experiência única que pode ser vivida quando as pessoas não deixam esta oportunidade passar em branco. Mesmo que ela dure somente uma noite.
Simplicidade é a regra da história que une os estranhos Jesse (Ethan Hawke) e Celine (Julie Delpy). Ele, um americano em seu último dia de errante peregrinação através da Europa. Ela, uma francesa retornando para casa após o fim de suas férias. O destino os põe frente a frente graças a uma identificação instantânea, e os dois tomam a decisão de descer do trem em Viena para passar uma única noite juntos.
Muito do que exala do filme para a platéia se dá sob a forma de uma fantasia extremamente comum à maioria das pessoas. Trata-se de uma representação moderna da idéia de amor à primeira vista, adornada pela beleza de uma das cidades mais pitorescas da Europa e desenvolvida através de olhares cúmplices, ousadias correspondidas e diálogos cada vez mais íntimos. Ethan Hawke entrega uma interpretação condizente com a percepção que tenho dele, que não me permite vê-lo como um personagem confiável em suas declarações e revelações pessoais. É somente graças ao roteiro, e principalmente graças à fotogênica e radiante presença de Julie Delpy, que sua atitude galante se torna crível. Seja com nervosismo, timidez, insensatez ou frieza, que não deixam de transparecer e serem devidamente notados por Delpy, um anjo caído do céu numa viagem de trem com as mais belas paisagens da Europa à janela, mas completamente vazia de alma.
O processo de aproximação dos dois protagonistas é quase estudado em seu início, retratando com razoável veracidade qualquer romance similar da vida real. Como deveria ser, a bela fotografia e o estilo do diretor valorizam as expressões dos astros, o que é um deleite, por exemplo, sempre que um deles olha para o outro com desejo sem que seja notado. Além do romance em si, há ainda uma constante sensação de caos providencial meio que subliminar dentro das cenas filmadas por Linklater, que se traduzem muito bem numa das seqüências do desfecho do filme, que mostra, à luz da manhã, vazios e à espera do próximo momento de verdadeiro arrebatamento sentimental, os lugares onde Jesse e Celine estiveram na noite anterior. Quantas outras pessoas estiveram ali, naqueles mesmos lugares, em situações parecidas, entregues a um momento de intimidade a dois, sob as mesmas circunstâncias de abandono e aventura? O final da história deixa muita gente com coceira, imaginando um provável futuro para um romance tão modernamente meigo. Um anseio que foi devidamente atendido nove anos mais tarde pelo próprio diretor, ao reunir Hawke e Delpy no reencontro de Antes do Pôr-do-sol. Significando, claro, que não dá para assistir ao primeiro filme e ficar sem ver o segundo.
A edição em DVD lançada pela Warner é seca. Vem completamente sem extras.
Texto postado por Kollision em 15/Julho/2006